Opinião
Pode o PSD contratar um primeiro-ministro?
Marcelo Rebelo de Sousa introduziu uma importante questão no debate nacional sobre o actual impasse político: o primeiro-ministro não precisa ser o chefe do partido maioritário. Não nos importa agora se o argumento do professor tem aplicação prática imedi
Marcelo Rebelo de Sousa introduziu uma importante questão no debate nacional sobre o actual impasse político: o primeiro-ministro não precisa ser o chefe do partido maioritário.
Não nos importa agora se o argumento do professor tem aplicação prática imediata ou se ele surgiu apenas como arma especialmente apontada a Santana Lopes. Estamos em tempo de reflexão e de debate sobre a democracia política e compete-nos olhar para os problemas de uma maneira inovadora. Pois se exigimos inovação às empresas, pessoas e instituições, se exigimos inteligência emocional para enfrentar os processos mais complexos do quotidiano, também à acção política devemos fazer a mesma exigência.
Aproveitemos, por isso, o contributo inovador para reconhecer que, no sistema político português, a chefia do partido maioritário e a chefia do governo têm coincidido na mesma pessoa. Ou seja que tem sido condição necessária para se ser primeiro-ministro ser-se anteriormente chefe de partido. E tem sido condição suficiente para se ser primeiro-ministro ser-se chefe do partido maioritário, desde que já se fosse chefe antes do partido ser maioritário.
Quer isto dizer que o sistema de legitimação de um primeiro-ministro depende de uma equação extraordinariamente simples que tem de ser resolvida por uma ordem precisa. Primeiro o partido elege o líder e só depois o povo, elegendo o partido, elege indirectamente o primeiro-ministro.
É claro que o sistema funciona quase na perfeição apenas por ser de uma simplicidade extrema. Nenhum sistema complexo resolve problemas. E para fazer face aos casos que este sistema simples não encontra a solução recorre-se à decisão extraordinária do presidente da República.
Porém, a simplicidade do sistema também nos remete repetidamente para uma escolha demasiado simplista. No caso actual, o país poderá escolher, na melhor das hipóteses, entre Santana Lopes e Ferro Rodrigues.
E pode acontecer que tanto um como outro não tenham o perfil adequado para a função a que se candidatam, para os desafios concretos que se colocam ao país ou para interpretar os anseios dos eleitores. E assim sendo, é legítimo considerar que poderá haver pessoas mais habilitadas para exercer a função de primeiro-ministro do que os chefes dos partidos.
Porém, a consideração desta variante na escolha de um primeiro-ministro remete-nos para uma mudança profunda na maneira de pensar e actuar dos partidos políticos. Mudança que não se decreta nem legisla. Mudança que aponta para uma forma de fazer política muito mais tecnocrática que a actual. Mudança para a qual ninguém, de momento, está preparado, mudança que implicaria uma noção de política muito mais próxima do governo das sociedades. Mudança que apenas agora as grandes empresas começam a experimentar.
Os partidos políticos não estão assim preparados para contratar primeiros-ministros nem sabemos ainda se alguma vez esse mecanismo será o adequado. Sabemos apenas que quando os presidentes da República contratavam primeiros-ministros a instabilidade governativa era uma certeza.
E sabemos também que, se Jorge Sampaio convocar eleições antecipadas, escolher entre os actuais chefes dos dois maiores partidos pode ser uma liberdade muito ingrata.