Opinião
29 de Abril de 2012 às 23:30
O mercado tem humores
Não há negócios sem risco. Aplicada a Portugal, a afirmação mostra-se exagerada. Uma das especialidades da gestão nacional está em tentar encontrar alguém que acarte com os custos da incerteza e, de caminho, assegure uma rendibilidade generosa.
Não há negócios sem risco. Aplicada a Portugal, a afirmação mostra-se exagerada. Uma das especialidades da gestão nacional está em tentar encontrar alguém que acarte com os custos da incerteza e, de caminho, assegure uma rendibilidade generosa. Estado ou clientes entram com o dinheiro e pagam os imprevistos. As empresas, faça sol ou faça chuva, ficam com os lucros.
Na banca, as operações também funcionam assim. Na sua actividade mais tradicional, a concessão de crédito, o risco está na possibilidade de os devedores poderem não ter condições para honrarem os seus compromissos. Mas os banqueiros não gostam destes cenários. Compreende-se. O crédito malparado é sinónimo de perdas. E também é legítimo que tentem acautelar os seus interesses, usando as ferramentas que têm ao seu dispor.
Podem analisar a situação financeira de quem pede emprestado e verificar se os rendimentos gerados são suficientes para suportarem o pagamento dos juros e as amortizações do empréstimo. Podem recorrer a informação histórica que permita saber se o futuro devedor tem bom nome na praça ou se já protagonizou incumprimentos. Em caso de dúvida, têm o direito e o dever de colocar restrições. Por exemplo, recusando a concessão de um empréstimo no caso de a prestação mensal a que dará origem superar uma determinada percentagem dos rendimentos de quem se constitui como devedor.
No caso concreto do crédito à habitação, o bem que vai ser comprado com a ajuda do financiamento bancário constitui uma garantia. É o último recurso que o banco terá para se ressarcir, pelo menos em parte, dos prejuízos causados por uma situação em que o devedor não tem meios para continuar a honrar os compromissos que assumiu. Neste e noutros pontos, nem sempre os bancos tiveram o cuidado que deviam.
Geriram a concessão de crédito com critérios pouco rigorosos em matéria de risco. A conta de resultados engordaria se as instituições financeiras alimentassem uma bolha de crédito hipotecário e foi isso que fizeram. Aceitaram conceder crédito com base em avaliações optimistas dos imóveis, por vezes com o objectivo de não perderem um cliente para a concorrência. Desta forma, instituições que diziam não conceder financiamentos a 100% contornavam as suas próprias regras. O controlo do risco passou a assemelhar-se a uma política de descontrolo do risco.
A festa acabou. A recessão e o aumento do desemprego estão a provocar uma factura pesada nos balanços. No ano passado, os devedores sem recursos para pagarem os empréstimos entregaram sete mil casas aos bancos. Este ano, no primeiro trimestre, as carteiras de imóveis das instituições financeiras receberam mais 2.300 unidades. E a polémica estalou. A entrega do imóvel ao banco saldaria os valores em dívida ou os devedores teriam de continuar a suportar os encargos?
Uma decisão do Tribunal de Portalegre acaba de dar razão aos devedores que entregaram a casa a um banco, ao reconhecer que este acto liquida os valores em dívida. É uma má notícia para as instituições financeiras, se o juízo feito naquela instância criar jurisprudência. Mas a decisão parece ir ao encontro da mais elementar ideia de justiça. Ao avaliarem um imóvel, concederem o respectivo crédito e constituírem uma garantia real sobre o bem em causa, os bancos estão a realizar a sua actividade, com todos os riscos inerentes. Entre estes, está a possibilidade de as casas não terem um valor real idêntico ao que lhe foi atribuído pelo banco quando lhe convinha fechar o negócio. Os banqueiros podem não apreciar, mas a isto chama-se mercado. E tem humores.
joaosilva@negocios.pt
Na banca, as operações também funcionam assim. Na sua actividade mais tradicional, a concessão de crédito, o risco está na possibilidade de os devedores poderem não ter condições para honrarem os seus compromissos. Mas os banqueiros não gostam destes cenários. Compreende-se. O crédito malparado é sinónimo de perdas. E também é legítimo que tentem acautelar os seus interesses, usando as ferramentas que têm ao seu dispor.
No caso concreto do crédito à habitação, o bem que vai ser comprado com a ajuda do financiamento bancário constitui uma garantia. É o último recurso que o banco terá para se ressarcir, pelo menos em parte, dos prejuízos causados por uma situação em que o devedor não tem meios para continuar a honrar os compromissos que assumiu. Neste e noutros pontos, nem sempre os bancos tiveram o cuidado que deviam.
Geriram a concessão de crédito com critérios pouco rigorosos em matéria de risco. A conta de resultados engordaria se as instituições financeiras alimentassem uma bolha de crédito hipotecário e foi isso que fizeram. Aceitaram conceder crédito com base em avaliações optimistas dos imóveis, por vezes com o objectivo de não perderem um cliente para a concorrência. Desta forma, instituições que diziam não conceder financiamentos a 100% contornavam as suas próprias regras. O controlo do risco passou a assemelhar-se a uma política de descontrolo do risco.
A festa acabou. A recessão e o aumento do desemprego estão a provocar uma factura pesada nos balanços. No ano passado, os devedores sem recursos para pagarem os empréstimos entregaram sete mil casas aos bancos. Este ano, no primeiro trimestre, as carteiras de imóveis das instituições financeiras receberam mais 2.300 unidades. E a polémica estalou. A entrega do imóvel ao banco saldaria os valores em dívida ou os devedores teriam de continuar a suportar os encargos?
Uma decisão do Tribunal de Portalegre acaba de dar razão aos devedores que entregaram a casa a um banco, ao reconhecer que este acto liquida os valores em dívida. É uma má notícia para as instituições financeiras, se o juízo feito naquela instância criar jurisprudência. Mas a decisão parece ir ao encontro da mais elementar ideia de justiça. Ao avaliarem um imóvel, concederem o respectivo crédito e constituírem uma garantia real sobre o bem em causa, os bancos estão a realizar a sua actividade, com todos os riscos inerentes. Entre estes, está a possibilidade de as casas não terem um valor real idêntico ao que lhe foi atribuído pelo banco quando lhe convinha fechar o negócio. Os banqueiros podem não apreciar, mas a isto chama-se mercado. E tem humores.
joaosilva@negocios.pt
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