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21 de Maio de 2007 às 13:59

O Estado, as avenças e os consultores

Responda com base no instinto: confia na forma isenta e racional como os gestores do Estado subcontratam empresas privadas? Ou suspeita que as decisões resultam de cunhas, de lóbis, de pequenas e de grandes corrupções? Se pôs a cruz na quadrícula da "susp

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Como é preconceituosa a forma como a pergunta é feita. O problema é esse: falta transparência.

Vem isto a propósito da proposta dos sindicatos, que o Ministério das Finanças decidiu acolher com bonomia, de que os serviços públicos passem a publicitar as avenças (também se lhes pode chamar "subcontratos" ou "outsorcing", é mais chique): os organismos públicos que recorram a empresas privadas para serviços em regime de tarefa e avença terão de tornar público quem subcontratam, para fazer o quê e por quanto dinheiro. Mais: os dirigentes serão responsabilizados por avenças não justificadas e obrigados a repor as verbas.

Sejamos ingénuos. Imaginemos que o secretário de Estado João Figueiredo é um façanhudo e convence o ministro das Finanças a convencer o Governo a aprovar a proposta. E que o PS deixa.

A transparência tem um efeito mágico nos custos: baixa-os. É por isso que o Ministério das Finanças é adepto. O ministro Teixeira dos Santos é-o na lista dos devedores fiscais, uma boa medida injustamente posta em prática (porque o devedor Estado e grandes devedores munidos de bons advogados estão de fora); o ex-ministro Campos e Cunha foi-o no lirismo de imaginar que iam deixá-lo acabar como sigilo fiscal.

Mas não é só às Finanças que a transparência faz bem. É à sociedade em que vivemos e que soçobra à fatalidade de achar que anda toda a gente a tratar da vidinha. Tornar públicas as avenças obriga quem as escolhe a justificar as suas opções, começando pela opção de preferir pagar a terceiros do que fazer internamente no sobrepovoado Estado. Mas o crivo não pode existir isolado. É por isso que está a marinar um novo Código da Contratação Pública, que foi lançado cheio de boas intenções mas que será terminado veremos com que coragem.

Ser transparente é uma necessidade nos contratos, nos subcontratos, nas orçamentações mas também nas execuções. Na construção, por exemplo, hoje ganha-se concursos fazendo preços de saldo que depois invariavelmente derrapam.

Dirão que este deslumbramento liberal pela transparência comporta perversões, julgamentos populistas, receio de escolher de novo um fornecedor apesar de ele ter a melhor proposta, receio até de escolher um fornecedor desconhecido pois não dá o respaldo da marca forte de uma grande consultora ou de um grande escritório de advogados. Talvez. Mas a verdade é que hoje isso já é dito e escrito, só que com base em informações avulsas, fontes interessadas, informação assimétrica. Hoje, pouco podemos fazer mais do que esperar pelos relatórios do Tribunal de Contas ou pedir dados à voluntariosa mas desconhecida Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

Esta espécie de "quem és, donde vens e para onde vais" do Estado não existirá enquanto medo e poder dormirem na mesma cama. A falta de informação é a melhor amiga dos boatos e produz uma sociedade mal consigo mesma. Quando não há razões certas para crer, há motivações erradas para descrer. O que temos entre nós e o Estado não é um vidro, é um espelho. Acredita no que vê?

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