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Merkel em deriva populista

Vamos pagar um preço muito alto por esta deriva populista e xenófoba que se alastra na União Europeia.

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Estamos a destruir mais de cinco décadas de paz e desenvolvimento. E os ricos da Europa têm uma especial responsabilidade.

As palavras de Angela Merkel sobre Portugal, Espanha e Grécia não podem sequer ser compreendidas no contexto da habitual leviandade das campanhas eleitorais. A chanceler alemã atirou lenha para uma fogueira que arde em labaredas já demasiado perigosas.

A mensagem da chanceler alemã na terça-feira foi aterradora. Disse Merkel, na terça-feira, que em países como Portugal, Espanha e Grécia as pessoas não podem ter mais férias, trabalhar menos e entrar na reforma mais cedo que os alemães. Mesmo que o que disse fosse verdade, não o deveria ter dito. Porque não é isso que importa para o sucesso da moeda única e porque apenas alimenta a má vontade que cresce em alguns países contra a ajuda aos países do euro em dificuldades financeiras.

Quando vamos verificar nas estatísticas se aquilo que Merkel disse corresponde à realidade, verificamos que, afinal, nada do que afirmou é verdade. Os alemães são os campeões europeus das férias. Os gregos são os que mais horas trabalham. E os holandeses são os que mais tarde se reformam, mas os portugueses estão muito perto deles: ocupam a quarta posição.

Dizer que uma união monetária exige que todos tenham o mesmo número de dias de férias, o mesmo número de horas de trabalho e a mesma idade de reforma é contribuir para a ignorância, a melhor amiga dos populismos e da xenofobia. Essas igualdades são consequências, e não condições para o sucesso do euro.

O que fragiliza o euro são decisões como a suspensão do acordo de Schengen, que garante a liberdade de circulação das pessoas no espaço da moeda única, ou a ausência de recursos comuns, um orçamento, um fundo ou um mecanismo, que façam frente aos choques assimétricos que estamos a viver.

Suspender Shengen por causa da imigração do Norte de África faz pior à moeda única do que a dívida de Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda juntas, e contribui para adiar ainda mais as igualdades no mercado de trabalho que tanto preocupam Merkel. Não existir um acordo para apoiar de forma credível os países do euro em dificuldades financeiras - em linguagem económica, "afectados por um choque assimétrico" - ameaça mais o euro do que essas questões que fazem as delícias das conversas populistas.

Na frieza dos factos, países como a Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha estão a ser vítimas de um choque assimétrico numa união monetária. As razões que conduziram estes países, e não outros, a esta situação são muitas e variadas, como é de todos os membros do euro a responsabilidade pelo que se passou. Se fosse a Holanda, por exemplo, a enfrentar um choque assimétrico, era assim, com esta racionalidade e sem o populismo de Merkel, que o tema estaria a ser debatido.

Não queremos acreditar que há países no euro que querem recuperar a velha tese de um ministro holandês que, em finais dos anos 90, não queria que os países do Sul da Europa - o clube Med, como lhes chamou - entrassem para o euro. Não queremos acreditar que os planos de ajuda são, afinal, para expulsão do euro. Angela Merkel tem de honrar a memória de Konrad Adenauer e a herança de Helmut Kohl, que ainda esta semana fez avisos sérios.

Alimentar o monstro populista que vai crescendo na Europa do euro é uma caixa de Pandora, é despertar os mais perigosos fantasmas do passado europeu. Os alemães sabem que o projecto europeu tem mais valor do que impulsos populistas. Angela Merkel sabe que uma eleição vale menos que a vida do euro.


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