Opinião
Faltam palavras na Catalunha
Em Setembro de 2016, Ramon Font foi nomeado delegado da Generalitat da Catalunha em Portugal. Nesse mesmo mês, em entrevista ao Negócios, foi-lhe feita a pergunta inevitável - A transformação da Catalunha num estado independente é irreversível?
"O que é irreversível é o sentimento de que as coisas não podem continuar iguais. No fundo, trata-se de fazer um reconhecimento muito simples, o de que Espanha é uma realidade plurinacional. Não é assim tão difícil aceitar esta realidade. Há uma convergência de pontos de vista na Catalunha, entre partidários da independência e partidários de outras formas de relacionamento com Espanha, de que isto tem de ser feito rapidamente, porque não podemos estar muito mais tempo neste estado de hesitação e angústia", respondeu então o ex-jornalista, espanhol, catalão nascido em Cervera, província de Lérida.
Existem duas palavras-chave nesta resposta, irreversível e plurinacional. Foi a irreversibilidade que fez chegar a situação da Catalunha a uma situação extrema. A irreversibilidade do Governo espanhol em negociar uma maior autonomia da Catalunha, a irreversibilidade da Catalunha na sua decisão de levar em diante um referendo fracturante. A plurinacionalidade, conceito de partida para a natureza irreversível dos acontecimentos recentes, é aceite pelas duas partes, mas de forma diferente. Madrid considera que a Catalunha tem as mesmas especificidades de outras regiões e por isso os mesmos direitos e deveres, a Generalitat catalã exige mais, respaldada no poderio económico da região.
A Generalitat da Catalunha forçou um referendo à espera de uma cedência que não aconteceu. O Governo espanhol hostilizou a Catalunha porque considerou a estratégia adequada para unir o país em torno de um inimigo comum, os independentistas. E as duas partes parecem ter extremado as posições de tal forma que qualquer recuo pode ser entendido como uma derrota. Pelo caminho, há muitas empresas que já estão a retirar as respectivas sedes da Catalunha, situação que enfraquece o argumento económico esgrimido por muitos dos que defendem a independência.
O discurso do rei de Espanha, duro para os catalães, só serviu para acentuar as clivagens. Ao referir-se a uma "inadmissível deslealdade" para com o resto do país, Felipe VI tirou margem de manobra aos moderados dos dois lados que procuram um entendimento por via do diálogo.
Esta via, que parece esgotada, é paradoxalmente a única alternativa. "Acredite mais nas nossas palavras do que nos nossos actos. Ou melhor, não conheça as nossas acções e atente apenas nas nossas palavras, porque a palavra vem da liberdade original do espírito e retorna a ela voando pelo ar acima de nós", escreveu Joan Maragall (1860-1911), ícone do modernismo espanhol e catalão. Sem a força da palavra só se poderá esperar o pior.
Nota da Direcção: Pedro Romano, jornalista do Negócios entre 2010 e 2012, faleceu aos 31 anos. Cada um dos que trabalharam com ele guarda belas histórias de camaradagem e humor. É assim que o vamos lembrar . O Pedro partiu, mas fica entre nós. Afinal, o nada não existe. Nesta hora de dor, o Negócios endereça à família enlutada as mais sentidas condolências.
Existem duas palavras-chave nesta resposta, irreversível e plurinacional. Foi a irreversibilidade que fez chegar a situação da Catalunha a uma situação extrema. A irreversibilidade do Governo espanhol em negociar uma maior autonomia da Catalunha, a irreversibilidade da Catalunha na sua decisão de levar em diante um referendo fracturante. A plurinacionalidade, conceito de partida para a natureza irreversível dos acontecimentos recentes, é aceite pelas duas partes, mas de forma diferente. Madrid considera que a Catalunha tem as mesmas especificidades de outras regiões e por isso os mesmos direitos e deveres, a Generalitat catalã exige mais, respaldada no poderio económico da região.
O discurso do rei de Espanha, duro para os catalães, só serviu para acentuar as clivagens. Ao referir-se a uma "inadmissível deslealdade" para com o resto do país, Felipe VI tirou margem de manobra aos moderados dos dois lados que procuram um entendimento por via do diálogo.
Esta via, que parece esgotada, é paradoxalmente a única alternativa. "Acredite mais nas nossas palavras do que nos nossos actos. Ou melhor, não conheça as nossas acções e atente apenas nas nossas palavras, porque a palavra vem da liberdade original do espírito e retorna a ela voando pelo ar acima de nós", escreveu Joan Maragall (1860-1911), ícone do modernismo espanhol e catalão. Sem a força da palavra só se poderá esperar o pior.
Nota da Direcção: Pedro Romano, jornalista do Negócios entre 2010 e 2012, faleceu aos 31 anos. Cada um dos que trabalharam com ele guarda belas histórias de camaradagem e humor. É assim que o vamos lembrar . O Pedro partiu, mas fica entre nós. Afinal, o nada não existe. Nesta hora de dor, o Negócios endereça à família enlutada as mais sentidas condolências.
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