Opinião
10 de Abril de 2012 às 23:30
Espanha, que medo
A política é a arte do possível. Mas é também a arte de fazer o que é melhor para a sociedade, mesmo que a sociedade o não consiga compreender. E é aqui que a governação do euro está a falhar.
A política é a arte do possível. Mas é também a arte de fazer o que é melhor para a sociedade, mesmo que a sociedade o não consiga compreender. E é aqui que a governação do euro está a falhar.
Espanha tem hoje um governo que, nos estereótipos, é amigo dos investidores financeiros. Está a fazer tudo o que se interiorizou que querem os investidores. Liberaliza a economia, reduz o rendimento para, como se diz agora, colocar o país a viver de acordo com as suas possibilidades e ganhar competitividade com a única ferramenta que a Europa parece conhecer agora: o corte de salários.
Que retribuição está Espanha a ter pelo seu rigor de sedução aos caprichosos mercados? A cotação dos seus títulos de dívida pública afunda com o consequente aumento dos juros no mercado secundário. A taxa de juro implícita dos 'bonos' a dez anos regressou aos 6%, valor que não se via desde o Verão passado, um tempo em que o BCE não actuava no mercado nem tinha ainda iniciado os seus empréstimos a três anos cobrando a ridícula taxa de 1%.
Vamos imaginar que somos uma instituição com influência e que pode jogar milhões para ganhar com os títulos de dívida pública, em geral transaccionados em pequenas quantidades, abrindo assim espaço para grandes mudanças de cotação - elevada volatilidade. Primeiro passo: atirar as cotações abaixo criando o pânico entre quem está menos informado e assim gerando o habitual movimento de rebanho dos mercados financeiros. Segundo passo: começar a comprar quando as cotações estiverem bem lá no fundo. Terceiro passo: aproveitar uma qualquer afirmação política para gerar confiança no país que emite esses títulos de dívida pública e gerar uma nova onda de rebanho, agora compradora. Quarto passo: vender sem ninguém notar. E se tudo isto se fizer com dinheiro do BCE que custa 1% por entrega, como colateral, de títulos de dívida que também se está a reproduzir a grande velocidade, mais milhões se ganham.
Parece impossível? Não é. No final do mês de Março, revelava o "Financial Times" que as obrigações portuguesas do Tesouro garantiram o melhor retorno no conjunto dos países do mundo desenvolvido. Os títulos com maturidades entre sete e 10 anos, deram uma remuneração de 21,1% desde o início do ano, superando a rendibilidade da dívida soberana de 25 outros mercados no índice Bloomberg/Effas. Que o diga também quem está a investir em dívida pública portuguesa, uma moda que o Negócios também já revelou.
A Espanha entrou de novo nesse círculo que garante ganhos de milhões pela simples manipulação das cotações.
Um país pode estar eternamente no círculo infernal que garante ganhos de milhões e é alimentado por meia dúzia de instituições financeiras com influência global. Ao mesmo tempo, os seus cidadãos submetem-se a terapias de desemprego, incerteza e empobrecimento, apresentadas como de remissão dos seus pecados consumistas.
Tem de ser assim? Claro que não. Os políticos europeus do Norte da Europa transformaram esta crise numa espécie de luta do bem espartano contra o mal hedonista. E esqueceram-se de ver qual é de facto o problema, de o explicar aos seus cidadãos e de o resolver de vez. Bastava que o BCE, sem medo nem preconceito, atacasse o problema directamente com a força da sua criação monetária. Bastava dizer que comprava os títulos que fossem necessários para reequilibrar os mercados e ninguém mais se atreveria a colocar alguns países do euro, e a própria moeda única, à beira do precipício. E, não, isto não impede que as economias corrijam os seus desequilíbrios. Podem é fazê-lo com tempo e bom senso, em vez de destruírem o que se construiu para que alguns ganhem milhões.
O que está a acontecer em Espanha mete medo. Mas é a oportunidade para se resolver de vez uma crise que não é mais que a escravização dos Estados aos caprichos dos milhões que alguns ganham.
helenagarrido@negocios.pt
Espanha tem hoje um governo que, nos estereótipos, é amigo dos investidores financeiros. Está a fazer tudo o que se interiorizou que querem os investidores. Liberaliza a economia, reduz o rendimento para, como se diz agora, colocar o país a viver de acordo com as suas possibilidades e ganhar competitividade com a única ferramenta que a Europa parece conhecer agora: o corte de salários.
Vamos imaginar que somos uma instituição com influência e que pode jogar milhões para ganhar com os títulos de dívida pública, em geral transaccionados em pequenas quantidades, abrindo assim espaço para grandes mudanças de cotação - elevada volatilidade. Primeiro passo: atirar as cotações abaixo criando o pânico entre quem está menos informado e assim gerando o habitual movimento de rebanho dos mercados financeiros. Segundo passo: começar a comprar quando as cotações estiverem bem lá no fundo. Terceiro passo: aproveitar uma qualquer afirmação política para gerar confiança no país que emite esses títulos de dívida pública e gerar uma nova onda de rebanho, agora compradora. Quarto passo: vender sem ninguém notar. E se tudo isto se fizer com dinheiro do BCE que custa 1% por entrega, como colateral, de títulos de dívida que também se está a reproduzir a grande velocidade, mais milhões se ganham.
Parece impossível? Não é. No final do mês de Março, revelava o "Financial Times" que as obrigações portuguesas do Tesouro garantiram o melhor retorno no conjunto dos países do mundo desenvolvido. Os títulos com maturidades entre sete e 10 anos, deram uma remuneração de 21,1% desde o início do ano, superando a rendibilidade da dívida soberana de 25 outros mercados no índice Bloomberg/Effas. Que o diga também quem está a investir em dívida pública portuguesa, uma moda que o Negócios também já revelou.
A Espanha entrou de novo nesse círculo que garante ganhos de milhões pela simples manipulação das cotações.
Um país pode estar eternamente no círculo infernal que garante ganhos de milhões e é alimentado por meia dúzia de instituições financeiras com influência global. Ao mesmo tempo, os seus cidadãos submetem-se a terapias de desemprego, incerteza e empobrecimento, apresentadas como de remissão dos seus pecados consumistas.
Tem de ser assim? Claro que não. Os políticos europeus do Norte da Europa transformaram esta crise numa espécie de luta do bem espartano contra o mal hedonista. E esqueceram-se de ver qual é de facto o problema, de o explicar aos seus cidadãos e de o resolver de vez. Bastava que o BCE, sem medo nem preconceito, atacasse o problema directamente com a força da sua criação monetária. Bastava dizer que comprava os títulos que fossem necessários para reequilibrar os mercados e ninguém mais se atreveria a colocar alguns países do euro, e a própria moeda única, à beira do precipício. E, não, isto não impede que as economias corrijam os seus desequilíbrios. Podem é fazê-lo com tempo e bom senso, em vez de destruírem o que se construiu para que alguns ganhem milhões.
O que está a acontecer em Espanha mete medo. Mas é a oportunidade para se resolver de vez uma crise que não é mais que a escravização dos Estados aos caprichos dos milhões que alguns ganham.
helenagarrido@negocios.pt
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