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E assim se repete a história

Porque é que a decisão da família Alexandre Soares dos Santos gerou reacções furiosas quando três outras famílias das lideranças portuguesas já tinham feito o mesmo?

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Porque é que a decisão da família Alexandre Soares dos Santos gerou reacções furiosas quando três outras famílias das lideranças portuguesas já tinham feito o mesmo?

O País está diferente mas igual a si próprio. Diferente, porque uns não vêem onde está o seu futuro em Portugal e reagem como a violência dos aprisionados que vêem os outros libertar-se. Igual, porque os que conseguem emigram ou previnem-se colocando o que têm no exterior, fazendo o que sempre se fez nos momentos de grande dificuldade.

Não nos podemos esquecer que este é o País que no início do século XIX viu a corte embarcar para o Brasil, fugindo das invasões napoleónicas e deixando o povo entregue aos exércitos franceses e ingleses. O livro "Império à Deriva", de Patrick Wilcken, dá-nos uma imagem terrível dessa fuga do rei. Como é o País que viu já neste século um primeiro-ministro preferir ser presidente da Comissão Europeia a líder do Governo de Portugal. Mas este é também o País em que o cidadão comum procurou por diversas vezes um futuro lá fora, emigrando para conseguir o que em Portugal não conseguia. Nada de novo, portanto.

A decisão legítima e racional da família de Alexandre Soares dos Santos, igual a muitas outras que já foram tomadas mais cedo, ou mais ou menos claramente, apenas nos confrontou com a fragilidade dos nossos laços como sociedade. E magoou-nos porque esperávamos, irracionalmente, que algumas pessoas não fizessem o que todos afinal fazemos.

Cada um trata de si. Ouvimos isso bem alto, pela primeira vez, no anúncio da decisão de Alexandre Soares dos Santos de transferir a "holding" da família para a Holanda. Ainda que há muito soubéssemos que é assim que Portugal tem funcionado durante séculos. E aquilo que há pouco mais de um ano seria internacionalização ou planeamento fiscal inteligente e muito elogiado transformou-se em fuga.

Claro que esta visão de fuga não foi partilhada por todos. As entrevistas que se fizeram em frente do Pingo Doce, durante o fim-de-semana que passou, não encontraram revolta. Ouviram-se, apenas em tons variados, que assim tem de ser, cada um tem de tratar da sua vida, já que não se pode contar com o País, essa entidade que consideramos abstracta e que nunca identificamos como sendo nós próprios.

A diferença de perspectivas revela também como as dificuldades estão a ser sentidas de forma diferente. A abordagem cínica e pragmática - cada um trata de si - parece ser a visão da população em geral e daqueles que podem ainda sair do País. A reacção revoltada parece a dos que sonhavam um País diferente ou não conseguem já sair do País.

No quadro em que vivemos, os actuais governantes acabam por ser os grandes heróis. É fácil dizer mal deles. Mas eles sim estão aprisionados. Não podem, como a corte, fugir do País, emigrar ou colocar poupanças lá fora que os previnam das desgraças que nos podem acontecer.

É frequente dizer-se que este é um País onde não se sabe trabalhar em equipa. Nas empresas, como no País, o colectivo parece não existir. Ninguém parece perceber que a cooperação consegue gerar mais benefícios do que o "cada um por si". Vivemos no eterno dilema do prisioneiro, pensamos sempre que ganhamos mais não cooperando. Se a desgraça maior chegar, a corte que hoje é protagonizada pelos grandes grupos económicos, sairá do País, como do País sairá quem conseguir emprego lá fora. E assim se repete a história.



helenagarrido@negocios.pt
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