Opinião
A vitória augusta
Sim, é um novo princípio, uma outra dinastia no Millennium, um BCP 2:0; a “second life” de um banco que foi humilhado por accionistas e gestores que sobrepuseram as suas agendas pessoais aos interesses da instituição. A sandice deplorável e degenerativa s
A corja passou a troika, a facção virou coligação e há um presidente com salvo-conduto para impor o que quiser. Ter 97,8% numa votação contra Miguel Cadilhe vale mais que todos os 100% que Jardim Gonçalves alcançou em listas únicas vinte anos a fio. Santos Ferreira é o José Sócrates do BCP: alcança a maioria absoluta de quem não suporta mais a instabilidade. Uma votação tão implacável só pode revelar ou grande confiança ou enorme desespero. É irrelevante: confere uma legitimidade à prova de bala. A todos que acusarem Santos Ferreira e Vara de levarem o PS para a Rua Augusta haverá uma resposta pronta: no-ven-ta-e-sete-por-cen-to. O resto é conversa.
OK, mas um pouco mais de conversa. Continua a ser indisfarçável a politização de todo este processo, desde um Governo que no mínimo anuiu que líderes da Caixa fossem para a concorrência até uma oposição obcecada em liderar uma “Operação Mãos Limpas”, que coloca pressão sobre Constâncio e Teixeira dos Santos e, ironicamente, a desvia dos putativos perpetradores, os administradores do BCP.
Há Estado a mais neste processo? Há. Estado e partidos a mais. Mas a responsabilidade é dos accionistas privados, que tornaram o BCP carente de uma solução como esta. É por isso que Cadilhe se sente vexado. Mas admitamos: o maior vexame dos últimos meses foi dado pelos privados.
Armando Vara tem agora a oportunidade de mostrar que todos os seus detractores estão errados. Santos Ferreira já não precisa disso: ele sai glorificado. E começou de uma maneira sintomática: podia ter saído ontem em ombros da Alfândega, com sorrisos que hoje pintariam todas as primeiras páginas do País; abdicou dessa demonstração de força e de vitória, até dessa vaidade conquistada, para mostrar que daqui para a frente será diferente. É como quem diz: acabou-se o espectáculo, vamos ao trabalho.
E que trabalho: recuperar a credibilidade nos mercados bolsistas, resgatar a dignidade dos trabalhadores, repor a reputação face aos clientes. O “timing” não podia ser pior para Santos Ferreira. A banca americana agoniza com prejuízos aterradores e arrasta as bolsas para o fundo. O “subprime” é um vírus por debelar, que contagia justos e pecadores. Os accionistas continuam cindidos, alguns carregam rancores e feridas de morte, o que supõe uma clarificação accionista, entradas e saídas. O que fará o BPI? E a Sonangol?
É preciso saber quem manda agora no BCP. O que é muito mais difícil do que parece, até porque há accionistas (como os há pequenos investidores) que compraram acções acima dos quatro euros e perderam um terço do seu dinheiro num punhado de meses. Veja-se Joe Berardo: é um enorme vencedor desta sucessão inverosímil de assembleias gerais, mas carrega um enorme prejuízo potencial do seu investimento.
Para que o BCP chegue ao céu, Santos Ferreira vai ter de atravessar o inferno. De resultados financeiros, de motivação, de suspeitas de politização, de investigações ao banco. Mas o BCP passou finalmente a ter um presidente ao volante e não no lugar do morto. Já fomos a votos. Agora vamos lá falar de banca outra vez.