Opinião
A moral do desemprego
Bagão Félix anuncia hoje a sua proposta de «moralização» da lei do subsídio de desemprego. Tanto quanto foi por diversas vezes divulgado, a ideia principal é abater ao volume total de subsídio de desemprego as indemnizações pagas pelas entidades patronais
Bagão Félix anuncia hoje a sua proposta de «moralização» da lei do subsídio de desemprego.
Tanto quanto foi por diversas vezes divulgado, a ideia principal é abater ao volume total de subsídio de desemprego as indemnizações pagas pelas entidades patronais.
Além disto, prevê-se que Bagão Félix altere parte das normas que definem a quantidade de meses de subsídio a que um desempregado tem direito.
À primeira vista, o prisma da «moralização» que Bagão Félix utiliza para justificar a alteração legal parece indiscutível.
Os portugueses são sensíveis a este argumento, tudo o que seja moralização é recebido com bastante disponibilidade.
Porém, isto apenas prova que o ministro do Trabalho e da Segurança Social tem um elevado sentido de «marketing».
A medida agora avançada pode e deve ser discutida sob vários pontos de vista, e nenhum deles é o da «moralização».
Em primeiro lugar, a medida de Bagão Félix visa, objectivamente, reduzir os encargos da Segurança Social em subsídio de desemprego. E se isso parece legítimo, num quadro de grande necessidade de contenção da despesa pública, é tudo menos «moral».
Porque, quer trabalhadores quer empresas descontaram, todos os meses, consideráveis verbas para cobrir a situação de desemprego.
Quer se queira ou não, os descontos para a Segurança Social são um seguro que pertence «moralmente» aos desempregados.
Em segundo lugar, os pagamentos que as empresas fazem aos empregados que aceitam ficar na situação de desemprego têm sido o principal instrumento prático de liberalização dos despedimentos.
Face à reconhecida protecção do emprego que a lei portuguesa concede, face aos consideráveis obstáculos legais que permitem que um empregado permaneça numa empresa eternamente, as empresas portuguesas passaram a explorar uma nesga legal que lhes permite, através do pagamento de indemnizações, convencer certos empregados a rescindir o contrato por mútuo acordo.
Ora Bagão Félix vai mexer exactamente no instrumento mais utilizado e mais eficaz para reduzir o número de empregados de uma firma e ajustá-la às dificuldades do mercado e às crises.
Mexendo aqui, Bagão Félix está a dificultar a vida às empresas.
Por um lado, porque imediatamente reduz a sua capacidade negocial.
Por outro lado, porque para conservar a sua capacidade negocial, as empresas terão de acrescentar um novo prémio ao valor da indemnização, encarecendo assim os custos da restruturação.
Além disto, Bagão Félix não provou (nem jamais o conseguirá provar) que os que recebem maiores indemnizações são os que mais tempo permanecem na situação de desemprego.
Tanto quanto se pode avaliar por dados dispersos, são normalmente trabalhadores de idade avançada, com muitos anos de empresa e com grande dificuldade em encontrar novo emprego, que recebem indemnizações maiores.
Os casos que, verdadeiramente existindo, são o pretexto para a campanha de «moralização» de Bagão Félix, não são suficientes para justificar a medida.
O importante na actual conjuntura económica seria preparar uma alteração profunda às regras do financiamento do desemprego para entrar em vigor quando a economia estiver a crescer.
Há muitas soluções inovadores praticadas noutros países que devem ser discutidas e podem servir de exemplo.
Mas Bagão Félix já não tem fôlego para isso.