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26 de Janeiro de 2012 às 23:38

A longa marcha do banco mal amado

A Sonangol quis, o Governo aplaudiu, o Banco de Portugal sorriu. E assim o BCP vira a página. Outra vez. De vez? Eis um banco sempre em queda, mas que cai sempre de pé, é como um gato, mas já esfarrapou muitas vidas. Nuno Amado, o menos banqueiro dos banqueiros, será doravante o maior deles. Não chega. Terá de ser o melhor.

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A Sonangol quis, o Governo aplaudiu, o Banco de Portugal sorriu. E assim o BCP vira a página. Outra vez. De vez? Eis um banco sempre em queda, mas que cai sempre de pé, é como um gato, mas já esfarrapou muitas vidas. Nuno Amado, o menos banqueiro dos banqueiros, será doravante o maior deles. Não chega. Terá de ser o melhor.

O BCP não muda de presidente, muda tudo. Muda de estratégia, de modelo de gestão, de accionistas e de política. As próximas semanas serão aceleradas: a revelação de prejuízos de centenas de milhões, assembleia-geral para aumento de capital, participação do Estado, reforço da Sonangol, entrada de novos accionistas, constituição das equipas de gestão.

Carlos Santos Ferreira sai bem. Sai na altura certa. Mas sai derrotado. Sai sem glória, deixa história, depois de um triénio com erros e vitórias. Dois erros foram maiores: à entrada, a contratação de Armando Vara, desastre anunciado como foi escrito aqui no próprio dia; à saída, o anúncio e recuo da venda na Polónia, golpe de misericórdia na Gestão. Mas é preciso dizer que nenhum diabo seria suficientemente criativo para encomendar tantos azares. A queda da Grécia. A crise financeira. Os escândalos reputacionais (Face Oculta, WikiLeaks, boatos falsos). A crise europeia, a pressão sobre os bancos, FMI, os "ratings". A equipa de gestão, incluindo o competentíssimo António Ramalho, morreu na praia dos rácios de capital.

Mas um banco não vive de rácios de capital, vive de captação de depósitos, de custos baixos, de créditos bem remunerados e garantidos. E o BCP, apesar de uma perseverança inaudita (só uma reputação paranormal resiste a tantos golpes), perdeu capacidade comercial, arrastanto um legado negro de maus créditos. Uma herança dos tempos de Alípio Dias, agravada nos tempos de Armando Vara, no assalto que, em 2007, o Governo de Sócrates e a Caixa patrocinaram sobre um banco em que os accionistas haviam entrado em auto-destruição. Sim, os pequenos investidores têm mais razões para se queixarem das suas microscópicas acções do que os accionistas históricos, que se penduraram num banco para extrair crédito que não conseguiriam pagar. E assim se produziu um arrastão de falidos que ainda não estão, aliás, saneados. Paradoxalmente, a saída de Santos Ferreira, que foi um hábil construtor de consensos e aproximou o banco dos angolanos que agora o despejam, marca também o fim do ciclo socialista no BCP. O PSD, já agora, está radiante com a entrada de Nuno Amado. Estão à espera de favores? Ou o PSD o conhece mal, ou o conhecemos mal nós.

Nuno Amado deixa um banco em boa forma. O Santander será, como revela hoje o Negócios, o único banco grande em Portugal que apresentará lucros relativos a 2011. BPI, BCP, Caixa e BES apresentarão prejuízos - e, embora por razões não recorrentes, serão prejuízos como nunca se viu em Portugal, de centenas de milhões de euros. Mas mais: Amado deixa o Santander com rácios de capital sólidos, níveis de crédito vencido bem abaixo da média e boa rendibilidade. Agora, sai do quentinho, como do convento para o cabaret, mete-se num saco de gatos e tem trabalho para um Hércules. O maior desafio: não ser servo dos angolanos, mas dos clientes.

Só um distraído não repara na escolha de palavras de Carlos Santos Ferreira, um "historiador", "estratega militarista", "mais chinês que os chineses". Ontem, ao "Diário Económico", o presidente do BCP disse que o banco "precisa de sangue novo para uma longa marcha". "Longa Marcha" foi o nome da lendária caminhada das forças do Partido Comunista de Mao Tsé-Tung, nos anos 30, contra o regime nacionalista de Chiang Kai-shek. É o que o BCP tem pela frente, uma longa batalha, um "turnaround", e até accionistas chineses. Foram precisos 14 anos e dezenas de milhares de mortos para que Mao conquistasse a China. Quantos serão necessários para recuperar o BCP?

Sim, recuperar. O BCP é uma máquina muito potente que perdeu tracção. De Nuno Amado espera-se que deixe os accionistas em paz e em paz seja deixado por eles. Que acabe com os compadrios. Que imponha uma liderança efectiva, uma cultura de mérito, que recupere a quota de mercado no "coração", o retalho e as empresas, que assuma uma posição competitiva, que capte depósitos. No fundo, o que fez no Santander: estar na banca pela banca. Não pela política, não por accionistas, não para dar poder aos angolanos, chineses ou brasileiros. Fazer banca, só banca.



PS: A saída de Jorge Tomé da CGD para o BCP, se se confirmar, é uma excelente notícia para o BCP e uma péssima notícia para a CGD. Tomé é um dos nossos melhores gestores bancários, é um pulmão, meio coração e deixará parte do fígado na Caixa. Como não tem cartão partidário, resistiu às várias mudanças; sem cartão partidário, nunca foi nem seria líder da Caixa. É o que dá pôr camadas de políticos em cima de competentes - e ameaçá-los de perda de salários: eles saem.


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