Opinião
Em casa de ferreiro
A história que pode acabar em crime de mercado no Banco de Portugal", um trabalho do jornalista Rui Peres Jorge, publicado na edição de ontem do Negócios, tem o condimento do mistério.
Se for como nos livros policiais, onde a trama é desvendada no fim, presume-se que o epílogo desta história será revelado pelas instâncias judiciais. Já se sabe que o sistema de controlo falhou, agora falta saber se houve crime. O Ministério Público o dirá.
O que fica, portanto, é uma inquietação básica, a de ficar a saber que à data dos factos, 2014, o Banco de Portugal tinha um código de conduta de tal forma maleável que poderia albergar várias interpretações, até mesmo a de validar a compra de acções de um banco (neste caso o BES) por parte de um funcionário do Departamento de Mercados e Gestão de Reservas. Foi o que aconteceu, sem fazer soar alarmes. Dias mais tarde, esse mesmo funcionário, ao saber que ia trabalhar directamente no dossiê BES, que conduziria à resolução do banco liderado por Ricardo Salgado, vendeu essas mesmas acções.
A explicação para o ocorrido é estranhamente simples: o Banco de Portugal não dispunha de um gabinete de "compliance", mas apenas de um consultor de Ética, Orlando Caliço. E este, quando o assunto lhe chegou às mãos, atendendo a que referido funcionário já tinha vendido as acções, achou que não havia matéria para comunicar ao conselho de administração do Banco de Portugal. Nem ele, nem ninguém na hierarquia, pelo menos formalmente. Um verdadeiro jogo de sombras dentro do regulador.
É este aspecto que merece particular atenção, até porque 2014 é um ano ainda de continuação da crise financeira, sendo que pelo caminho foram sendo impostas aos bancos regras de "compliance" destinadas a prevenir os erros que se tinham cometido antes e foram postos a nu com o colapso do Lehman Brothers, em 2008. A regulação endureceu e os supervisores apertaram a malha, não tendo o Banco de Portugal sido excepção, como se comprovou pela sua acção no caso BES.
O Banco de Portugal, que colocou (e bem) regras mais apertadas ao sistema financeiro, foi o mesmo que descuidou essa necessidade na sua própria casa, permitindo a existência de situações dúbias que colocam em causa a instituição, enfraquecendo-a desnecessariamente e legitimando a expressão popular "em casa de ferreiro, espeto de pau". Rui Peres Jorge escreveu: "o caso expõe sinais de uma fraca cultura de prevenção de risco e fragilidade institucional com que o Banco de Portugal trabalhou nos últimos anos". Desde 2015, à boleia da união bancária e do escrutínio do BCE as regras melhoraram. Esperemos que o caso tenha sido único e irrepetível.
O que fica, portanto, é uma inquietação básica, a de ficar a saber que à data dos factos, 2014, o Banco de Portugal tinha um código de conduta de tal forma maleável que poderia albergar várias interpretações, até mesmo a de validar a compra de acções de um banco (neste caso o BES) por parte de um funcionário do Departamento de Mercados e Gestão de Reservas. Foi o que aconteceu, sem fazer soar alarmes. Dias mais tarde, esse mesmo funcionário, ao saber que ia trabalhar directamente no dossiê BES, que conduziria à resolução do banco liderado por Ricardo Salgado, vendeu essas mesmas acções.
É este aspecto que merece particular atenção, até porque 2014 é um ano ainda de continuação da crise financeira, sendo que pelo caminho foram sendo impostas aos bancos regras de "compliance" destinadas a prevenir os erros que se tinham cometido antes e foram postos a nu com o colapso do Lehman Brothers, em 2008. A regulação endureceu e os supervisores apertaram a malha, não tendo o Banco de Portugal sido excepção, como se comprovou pela sua acção no caso BES.
O Banco de Portugal, que colocou (e bem) regras mais apertadas ao sistema financeiro, foi o mesmo que descuidou essa necessidade na sua própria casa, permitindo a existência de situações dúbias que colocam em causa a instituição, enfraquecendo-a desnecessariamente e legitimando a expressão popular "em casa de ferreiro, espeto de pau". Rui Peres Jorge escreveu: "o caso expõe sinais de uma fraca cultura de prevenção de risco e fragilidade institucional com que o Banco de Portugal trabalhou nos últimos anos". Desde 2015, à boleia da união bancária e do escrutínio do BCE as regras melhoraram. Esperemos que o caso tenha sido único e irrepetível.
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