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06 de Dezembro de 2015 às 20:30

Ressuscitar a Glass-Steagall

Ocorreu uma grande mudança na política americana. Os três principais candidatos democratas às presidenciais concordam que o estado actual do sector financeiro não é satisfatório e que são necessárias mais mudanças.

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O presidente Barack Obama tem considerado que a legislação Dodd-Frank de 2010 trouxe reformas suficientes. A ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, o senador Bernie Sanders, e o ex-governador Martin O'Malley querem fazer ainda mais.

 

Os três principais candidatos democratas discordam, porém, sobre se deveria haver legislação para reerguer um muro entre a banca comercial e outros tipos de negócios (que envolvam emissão e negociação de valores mobiliários, vulgarmente conhecidos como bancos de investimento).

 

Esta questão é por vezes referida como o "restabelecimento de Glass-Steagall", uma referência à legislação da época da Depressão - Lei Bancária de 1933 - que separava a banca comercial da banca de investimento. Este é um termo ligeiramente erróneo: a proposta bipartidária mais credível tem uma abordagem muito modernizada para distinguir e tornar mais transparente os diferentes tipos de actividades financeiras. Sanders e O'Malley são a favor desta ideia geral; Clinton não (ainda).

 

Há três grandes argumentos contra uma versão moderna da legislação Glass-Steagall. Nenhum é convincente.

 

Em primeiro lugar, alguns ex-funcionários proeminentes argumentam que nem todas as empresas financeiras que começaram a ter problemas em 2008 eram bancos com operações comerciais e de investimento integradas. Por exemplo, o Lehman Brothers era um banco de investimento independente e a AIG era uma companhia de seguros.

 

Este argumento é, na melhor das hipóteses, irrelevante. O que aconteceu "da última vez" raramente é um bom guia para travar guerras ou antecipar futuras crises financeiras. O mundo avança, em termos de tecnologia e riscos. Precisamos de ajustar o nosso pensamento em conformidade.

 

Na pior das hipóteses, o argumento é simplesmente errado. Algumas das maiores ameaças, em 2008, foram colocadas por bancos - como o Citigroup - construídos sobre a premissa de que a integração da banca comercial e de investimento traria mais estabilidade e melhores serviços. Sandy Weill, o principal arquitecto do Citigroup moderno, arrepende-se dessa construção - e e de ter feito lóbi para a revogação da Glass-Steagall. (Como James Kwak e eu defendemos no nosso livro "13 Bankers", o que realmente importava era o processo bipartidário de desregulamentação, para o qual o fim da Glass-Steagall foi um símbolo proeminente).

 

Em segundo lugar, os principais representantes dos grandes bancos argumentam que muita coisa mudou desde 2008 - e que os grandes bancos se tornaram significativamente mais seguros. Infelizmente, isto é um grande exagero.

Garantir a estabilidade do sistema financeiro é um esforço multifacetado - complexo o suficiente para manter muitas pessoas diligentes plenamente ocupadas. Mas também se resume a isto: que quantidade de capital para a absorção de perdas existe nos balances das maiores empresas financeiras?

 

No período que antecedeu a crise de 2008, os maiores bancos dos Estados Unidos tinham cerca de 4% de capital próprio em relação aos seus activos. Isto não foi suficiente para suportar a tempestade. (Aqui, estou a utilizar o património líquido tangível  em relação aos activos tangíveis, como recomendado por Tom Hoenig, vice-presidente da Federal Deposit Insurance Corporation, e um farol de clareza sobre estas questões).

 

Agora, considerando o cálculo mais generoso possível, os grandes bancos sobreviventes têm, em média, cerca de 5% de capital próprio em relação aos activos totais - ou seja, são financiados, em 95%, com dívida. É esta a grande e profunda mudança que se vai provar suficiente à medida que atravessamos o ciclo de crédito? Não, não é.

 

Por fim, alguns observadores - embora relativamente poucos neste momento - argumentam que os maiores bancos têm melhorado significativamente os seus sistemas de controlo e conformidade, e que a má gestão de risco, numa escala sistemicamente importante, não é mais possível.

 

Este ponto de vista é simplesmente implausível. Consideremos todos os casos de branqueamento de capitais e violação de sanções (com provas contra o Credit Agricole, o Deutsche Bank, e quase todos os grandes bancos internacionais nos últimos anos).

 

Isto é o equivalente a quase acidentes na aviação. Se os Estados Unidos tivessem o equivalente ao Departamento Nacional da Segurança dos Transportes (NTSB, na sigla inglesa) para as finanças, receberíamos relatórios públicos detalhados sobre o que está mal – mesmo depois de todos estes anos. Infelizmente, o que recebemos são acordos de confissão em que os detalhes relevantes são mantidos em segredo. Os reguladores e as autoridades que aplicam as leis estão a decepcionar-nos – e a pôr em risco a segurança do sistema financeiro – de forma regular.  

 

O melhor argumento para uma legislação Glass-Steagall moderna é o mais simples. Devemos querer muito mais capital próprio para a absorção de perdas. E, para reforçar isso, devemos querer tornar os grandes bancos mais simples e mais transparente, com "fortes firewalls estruturais", como Dennis Kelleher destaca. Claro que, nesse contexto, devemos garantir que várias actividades dos "bancos-sombra" são devidamente regulamentadas.

 

A obtenção de apoio à implementação de legislação para simplificar os maiores bancos reforçaria consideravelmente a mão dos reguladores que querem exigir mais capital próprio e melhor regulamentação para as sombras. Estas políticas são complementares, não substitutas.

 

Simon Johnson é professor na Escola de GestãoSloan do MIT e co-autor da obra "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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