Opinião
A vitória comercial da Europa em Washington
Trump apresenta-se a si próprio como um brilhante negociador e os seus defensores consideram a sua política comercial um exemplo perfeito do seu sucesso. Mas nas recentes conversações com os europeus, Trump ficou claramente sem pé.
No dia 25 de Julho, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apareceu à frente da Casa Branca com Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, o seu comunicado conjunto e as declarações feitas por ambos surpreenderam muita gente. Os dois lados concordaram em "trabalhar juntos em direcção a tarifas zero, barreiras não-tarifárias zero e zero subsídios para bens industriais não relacionados com a indústria automóvel". Pareceu uma reviravolta notável para Trump, que até recentemente ameaçava a União Europeia com tarifas mais altas - e exaltando o valor das tarifas comerciais (que são essencialmente impostos sobre bens importados) de forma mais geral. Trump chegou a chamar a UE de "inimiga", em Junho
Dar seguimento à declaração conjunta EUA-UE representaria uma importante mudança de política para a administração Trump. Mas isso não é um triunfo para Trump; em vez disso, ele parece ter sido passado para trás por diplomatas europeus astutos.
É sempre difícil saber quando é que Trump mudou realmente uma política - ou quando é que poderá mudá-la novamente. Ainda assim, vale a pena notar que o que Trump e Juncker anunciaram foi, na prática, uma promessa de trabalharem exactamente para o tipo de acordo comercial que o governo Obama esteve a negociar com os europeus de 2013 até ao final de 2016. Os trabalhos em torno dessa versão anterior, conhecida como a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) foram suspensos depois de Trump ter tomado posse.
Recomeçar as negociações da TTIP é uma grande vitória para Juncker, e está em linha com objectivos europeus de longa data. Também tornaria muito mais difícil para Trump impor tarifas às importações de carros europeus - e os preços das acções das fabricantes alemãs subiram de forma acentuada com as notícias. Também é notável que Juncker tenha conseguido que Trump enfatizasse o trabalho com a Organização Mundial do Comércio para resolver questões relativas a direitos de propriedade intelectual. Cecilia Malmström, comissária da UE para o comércio, tem enfatizado exactamente essa abordagem.
O que é que Trump conseguiu dos europeus, além do regresso a uma negociação comercial da era Obama? Trump afirmou, na conferência de imprensa e posteriormente, que ganhou uma promessa de Juncker de comprar mais gás natural e "muita soja". Alguns meios de comunicação chegaram a sugerir que os europeus fizeram concessões. Mas essa interpretação não se encaixa nos factos.
No que diz respeito às potenciais exportações norte-americanas de gás natural liquefeito (GNL) para a Europa, os europeus há muito que desejam aumentar este comércio. O que impede esse aumento são as restrições dos EUA às exportações de energia. Se há alguma concessão prometida na declaração conjunta, é da parte da administração Trump sobre esta questão. Isso ficou explícito no comunicado que a Casa Branca publicou posteriormente: "os Estados Unidos facilitarão a compra de gás natural liquefeito pela UE".
Ao mesmo tempo, Juncker não compra soja - a Comissão Europeia não tem esse tipo de orçamento, e essas importações acabariam por se uma decisão do sector privado.
O preço da soja caiu drasticamente nos últimos meses, devido à imposição de tarifas por parte da China sobre a soja dos EUA, em retaliação ao aumento das tarifas dos EUA sobre algumas exportações chinesas. O preço da soja dos EUA caiu muito mais do que o preço da soja brasileira, já que o Brasil não está sujeito à nova tarifa chinesa. Perante isto, faz sentido que o sector privado europeu compre mais soja dos EUA, independentemente do que Juncker diga ou faça. A soja dos EUA já é vendida sem tarifas na Europa e, como a China compra um terço de todas as exportações de soja dos EUA, há bastante produto disponível.
Mas não houve nenhuma concessão europeia na Casa Branca sobre essa questão - apenas uma reafirmação inteligente das realidades do mercado. Além disso, as compras de soja dos europeus são menos de um quarto das da China.
O compromisso da soja tem algum apelo político superficial, já que os produtores foram apanhados no fogo cruzado da guerra comercial de Trump com a China. O custo é real e o governo Trump prometeu recentemente 12 mil milhões de dólares para ajudar os agricultores afectados.
No entanto, todo este custo potencial deve-se às políticas disruptivas da administração Trump e representa um desperdício escandaloso de dinheiro dos contribuintes - um valor equivalente a cerca de um terço do orçamento anual do US National Institutes of Health. Quantas vidas poderiam ser salvas através do uso racional desses 12 mil milhões de dólares em programas de saúde pública? Ao mesmo tempo, o défice orçamental do governo federal continua a aumentar - criando pressões para uma futura austeridade destrutiva.
Trump apresenta-se a si próprio como um brilhante negociador e os seus defensores consideram a sua política comercial um exemplo perfeito do seu sucesso. Mas nas recentes conversações com os europeus, Trump ficou claramente sem pé.
Simon Johnson é professor na Sloan School of Management do MIT e o co-autor de White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You.
Copyright: Project Syndicate, 2018.
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Tradução: Rita Faria