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14 de Agosto de 2015 às 20:00

Sem dor, não há ganho para o Reino Unido?

O historiador económico Niall Ferguson faz-me recordar o falecido historiador de Oxford, A.J.P. Taylor. Apesar de Taylor ter garantido que disse a verdade nos seus escritos, mostrou-se disposto a adulterar os factos por uma boa causa. Ferguson também é um grande historiador – mas igualmente preparado para fazer "spin" quando se trata do campo político.

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A causa sustentada por Ferguson é o neoconservadorismo norte-americano, conjuntamente com uma aversão incessante a Keynes e aos keynesianos. A sua última defesa feita à austeridade orçamental surgiu imediatamente depois das últimas eleições legislativas no Reino Unido, quando escreveu no Financial Times que "os trabalhistas deviam culpar Keynes pela sua derrota".

 

O argumento de Ferguson equivale ao de um brutal disciplinador que justifica os seus métodos dizendo que a vítima continua viva. Defendendo George Osborne, ministro britânico das Finanças, ele sustenta que a economia do Reino Unido cresceu 2,6% em 2014 (a "melhor performance entre as economia do G7"), ignorando os danos que Osborne infligiu à economia no caminho para a recuperação.

 

Existe agora um grande consenso acerca desses danos. O Gabinete para a Responsabilidade Orçamental, uma agência independente criada por Osborne para avaliar o desempenho macroeconómico das políticas governamentais, concluiu recentemente que a austeridade reduziu o crescimento do PIB em 2% entre 2010 e 2012, elevando o custo cumulativo da austeridade imposta desde 2010 para 5% do PIB. Simon Wren-Lewis, da Universidade de Oxford, estima que os danos poderão ter sido tão elevados quanto 15% do PIB. Numa sondagem recente feita a economistas britânicos pelo Centre for Macroeconomics, dois terços concordaram que a austeridade prejudicou a economia do Reino Unido.

 

Além do mais, o Reino Unido não está sozinho. No seu World Economic Outlook de Outubro de 2012, o FMI admitia que "os multiplicadores orçamentais foram subestimados em todo o mundo". Num inglês escorreito: os analistas subestimaram a extensão da capacidade disponível e, consequentemente, o alcance que a expansão orçamental poderia representar para aumentar a capacidade produtiva.

 

Foi este um erro honesto? Ou deveu-se aos analistas estarem reféns dos seus próprios modelos económicos, que sustentavam que as economias estavam com pleno emprego, pelo que a única consequência da expansão orçamental seria a de elevar a inflação? Agora sabem-no melhor, e Ferguson também o deveria saber agora melhor do que ninguém.

 

Um aspecto deprimente da interpretação de Ferguson é a sua incapacidade para reconhecer o impacto que a Grande Recessão teve na performance do governo e nas expectativas dos empresários. Portanto, ele compara um crescimento de 2,6% em 2014 com a contracção de 4,3% de 2009, que descreve como "o último ano completo de governação trabalhista" – como se a política do Partido Trabalhista tivesse produzido o colapso do crescimento. De forma semelhante, "em nenhuma altura após Maio de 2010, [a confiança] desceu até ao ponto que atingiu durante os dois últimos anos da governação catastrófica de Gordon Brown" – como se a performance governamental de Brown tivesse provocado o colapso da confiança dos empresários.

 

O argumento de que "deviam culpar Keynes" pela derrota eleitoral dos trabalhistas é peculiarmente estranho. Além do mais, se há coisa que a liderança trabalhista tentou fazer afincadamente durante a campanha foi tentar afastar o partido de qualquer "mácula" keynesiana. Possivelmente, Ferguson terá pretendido dizer que foi a associação, no passado, entre trabalhistas e Keynes que os penalizou – "a sua desastrosa administração antes e durante a crise financeira", segundo as suas próprias palavras.

 

Na verdade, os governos mais recentes do Partido Trabalhista foram determinadamente não-keynesianos: a política monetária foi conduzida para atingir uma meta de inflação de 2%, e a política orçamental direccionada para equilibrar o orçamento, com prioridade sobre o ciclo económico: foi esta a receita macroeconómica anterior à chegada da recessão. A acusação mais condenatória contra a sua administração é que eles abraçaram a ideia de que os mercados financeiros se auto-regulam optimamente – uma visão que Keynes rejeitava.

 

Keynes não deve ser responsabilizado pela derrota trabalhista; em grande medida, a Escócia sim. A esmagadora vitória do Partido Nacional Escocês (SNP) deixou os trabalhistas com apenas um assento parlamentar no país. Existem, sem dúvida, várias razões para a impressionante vitória do SNP, mas o apoio à austeridade não é uma delas. (Os conservadores fizeram-no de forma igualmente má à dos trabalhistas.)

 

Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia e líder do SNP, atacou o "consenso acolhedor" em torno da consolidação orçamental de Westminster. O défice, apontou correctamente, foi "um sintoma das dificuldades económicas, não somente a causa delas". No seu manifesto, o SNP prometeu "investimentos adicionais de pelo menos 140 mil milhões de libras em todo o Reino Unido para investir em competência e infra-estruturas".

 

Se o SNP se saiu tão bem com um programa "keynesiano" de expansão orçamental, não será defensável que o Partido Trabalhista poderia ter feito melhor se tivesse adoptado uma defesa mais vigorosa da sua própria actuação no governo e um ataque mais agressivo às políticas de austeridade de Osborne? É isto que líderes do Partido Trabalhista tais como Alistair Darling, ministro das Finanças de Gordon Brown, estão agora a dizer. Mas aparentemente não tiveram influência sobre os dois arquitectos das eleições trabalhistas, Ed Miliband e Ed Balls, ambos agora retirados da linha da frente do combate político. 

 

Aquilo que os conservadores realmente fizeram com sucesso, e de forma brilhante, foi persuadir a população britânica de que apenas haviam "limpado a bagunça trabalhista" que, sem austeridade, teria levado o Reino Unido "pelo caminho da Grécia" – precisamente a perspectiva de Ferguson.

 

Pode concluir-se que tudo isto é história: os eleitores já se pronunciaram. Mas seria um erro atribuir a última palavra à narrativa conservadora. É, basicamente, uma questão de propaganda, em teoria com pouca sustentação, mas com efeitos destrutivos na prática.

 

Isto poderia não ter tanta importância caso se tivesse registado uma mudança de governo. Mas Osborne permanece como ministro das Finanças, prometendo cortes ainda mais duros durante os próximos cinco anos. E a austeridade orçamental continua a ser a doutrina reinante na Zona Euro, graças à Alemanha. Por isso os danos vão continuar. Na ausência de uma convincente narrativa contrária, podemos estar destinados a descobrir qual a quantidade de dor que as vítimas conseguem suportar. 

 

Robert Skidelsky, membro da Câmara britânica dos Lordes, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warnick

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org 

Tradução: David Santiago
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