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Robert Skidelsky - Economista 05 de Setembro de 2014 às 16:27

O caminho em direcção ao pleno investimento

Há um espectro que assombra as tesourarias e os bancos centrais do Ocidente – o espectro da estagnação secular. E se não tivesse havido uma retoma sustentável da contracção económica de 2008-2013? E se as fontes de crescimento económico tivessem secado – não temporariamente, mas para sempre?

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Este novo pessimismo não provém dos Marxistas, que sempre procuraram sinais do próximo colapso do capitalismo, mas sim do coração da elite dos decisores políticos: Larry Summers, ex-secretário norte-americano do Tesouro na Aministração Clinton, e economista-chefe de muitas instituições económicas em um ou outro momento.

 

Resumidamente, a tese de Summers é a de que se a esperada rentabilidade do investimento está a diminuir, então as taxas de juro têm de descer na mesma proporção. Mas as taxas de juro não podem ser reduzidas para abaixo de zero (na realidade, podem ficar bloqueadas acima de zero se houver um forte desejo de constituir mais reservas em dinheiro). Isto poderá fazer com que as expectativas de lucros caiam abaixo do custo dos empréstimos.

 

A maioria das pessoas concorda que isto pode acontecer no auge de uma crise. Foi para evitar esta possibilidade que os bancos centrais começaram a injectar dinheiro na economia após 2008. A novidade da tese de Summers é a afirmação de que a "estagnação secular" teve início 15 a 20 anos antes do "crash" económico.

 

É certo que as taxas de juro estavam em queda, se bem que não com a rapidez da queda esperada para os lucros dos novos investimentos. Assim, mesmo nos anos considerados de expansão, a maioria das economias ocidentais manteve-se à tona não devido ao novo investimento mas sim devido às bolhas de activos baseadas numa alavancagem cada vez mais insustentável.

 

A versão generalizada desta linha de pensamento é a de que a estagnação secular – a persistente subutilização dos potenciais recursos – é o destino de todas as economias que dependem do investimento privado para colmatarem a lacuna entre os rendimentos e o consumo. À medida que o capital se torna mais abundante, o esperado retorno sobre o novo investimento, tendo em conta uma margem para o risco, cai para zero.

 

Mas isto não significa que todos os investimentos devem terminar. Se o risco puder ser eliminado, o motor do investimento pode continuar a trabalhar, pelo menos temporariamente.

 

É aqui que entra o investimento público. Algumas classes de investimento poderão não render os retornos – ajustados ao risco – pretendidos pelos investidores privados. No entanto, desde que os retornos sejam positivos, continua a valer a pena fazer esses investimentos. Tendo em conta que as taxas de juro estão próximas de e que há trabalhadores inactivos, é altura de o Estado tomar a seu cargo a reconstrução da infra-estrutura.

 

Quem conhece a história, reconhecerá que Summers está a dar vida a uma tese avançada pelo economista norte-americano Alvin Hansen, em 1938. Hansen afirmava que, devido à desaceleração do crescimento da população e, consequentemente, à menor "procura de capital", o mundo confrontava-se com um problema de "desemprego secular, ou estrutural (…) nas décadas vindouras".

 

A prolongada expansão que se seguiu à Segunda Guerra Mundial rebateu a projecção de Hansen. Contudo, a sua tese não era uma tontice; foram os pressupostos subjacentes a essa tese que se revelaram errados. Hansen não antecipou o enorme efeito sobre o consumo de capital que teve a referida guerra, bem como as muitas outras guerras de menor dimensão e a Guerra Fria, no que diz respeito a manter o capital numa situação de escassez. Nos Estados Unidos, os gastos militares atingiram em média 10% do PIB nas décadas de 1950 e 1960.

 

O crescimento populacional viu-se impulsionado pelo "baby boom" decorrente da Guerra e pela imigração em massa para os EUA e para a Europa Ocidental. Abriram-se novos mercados de exportação e oportunidades em matéria de investimento privado nos países em desenvolvimento. A maior parte dos governos ocidentais implementou programas de investimento civil em larga escalada: basta pensar no sistema de auto-estradas interestaduais nos EUA, criado na década de 1950, durante a presidência de Dwight D. Eisenhower.

 

Este misto de eventos e políticas de estímulo permitiu que as economias ocidentais mantivessem elevados rácios de investimento nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Mas é possível argumentar que tudo isso apenas adiou o dia em que o esperado retorno sobre o capital caiu abaixo da taxa de juro mínima aceitável para os aforradores, o que aconteceria assim que o capital se tornasse mais abundante em relação à população.

 

Hansen achou que as novas invenções exigiriam menos capital do que no passado. É precisamente isso que está em vias de acontecer, naquilo a que Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, economistas do MIT, chamam de A Segunda Era das Máquinas. Uma empresa como a Kodak precisava de muito mais infra-estruturas – e construiu-as – do que os seus sucessores digitais Instagram and Facebook – e (claro) deu emprego a muito mais trabalhadores. As invenções do futuro podem muito bem consumir cada vez menos capital (e mão-de-obra).

 

E agora o que se segue? No passado, a raça humana conseguiu, com êxito, manter uma situação de escassez de capital – principalmente ao desencadear guerras destrutivas. Não se pode excluir o recurso a esta solução no futuro. À parte esta possibilidade, é seguramente prematuro acreditar que o Ocidente está sem oportunidades de investimento. Algumas novas invenções, como os sistemas de condução autónoma de automóveis, irão exigir um forte investimento de capital em novos tipos de estradas. E podemos pensar em muitos outros exemplos. É contudo provável que a maioria do novo investimento tenha que ser levado a cabo com a ajuda de subvenções estatais.

 

Mas além disto, devemos encarar a estagnação secular como uma oportunidade, em vez de a vermos como uma ameaça. Os economistas clássicos do século XIX aguardavam impacientemente por aquilo a que chamavam de "estado estacionário", que seria quando –

parafraseando John Stuart Mill – "a luta sem fim para conseguir algo (…) que exige pisar, esmagar, acotovelar e atropelarmo-nos uns dos outros" deixaria de ser necessária.

 

Se alguma vez se chegar a alcançar um estado de verdadeiro "pleno investimento" – ou seja, uma situação em que a oferta de capital aumenta até chegar ao ponto em que não trará qualquer retorno líquido acima do seu custo de substituição – isso significará que a raça humana terá solucionado o seu problema económico. O desafio, nessa altura, será converter a abundância de capital em mais tempo de lazer e consumo equilibrado.

 

Se tal acontecer, estaremos na ombreira de um novo mundo – alguns dirão que será o Paraíso na Terra. De uma coisa podemos estar certos: os nossos líderes darão o seu melhor para se certificarem que nunca lá chegaremos.

 

Robert Skidelsky, membro da Cãmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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