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02 de Maio de 2013 às 19:05

A alma bélica do Thatcherismo

Margaret Thatcher foi a maior primeira-ministra do Reino Unido do século XX. Nos anos 80, as quase simultâneas crises do comunismo no Leste e da social democracia no Oeste deram a Thatcher uma oportunidade para fazer enormes actos. Mas era necessário que fosse uma grande líder para aproveitar-se disso.

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A sua relação com o líder soviético Mikhail Gorbachev abriu o caminho para o fim da Guerra Fria; as políticas de privatização mostraram ao mundo como desmantelar o socialismo estatal. O renascimento do neo-liberalismo dos anos 80 vai para sempre ficar conhecido como a revolução de Reagan-Thatcher.

 

Thatcher foi também a primeira-ministra dos tempos modernos que mais divisões criou, admirada e insultada de igual modo, tanto devido à forma autoritária com que implementava as políticas como pelas próprias políticas em si mesmo. Descrevia-se acertadamente como uma “política de convicções”. Uma convicção é uma crença estabelecida que não admite discussão. E ela não condescendia em relação a qualquer reconciliação, sendo que dividia, pelo contrário, o mundo político entre o “nós” e o “eles”. “Onde existe erro, que eu leve a verdade”, anunciou à entrada para o número 10 de Downing Street, citando São Francisco de Assis.

 

“Na vitória, a magnanimidade”, aconselhou Winston Churcill. Thatcher era corajosa e determinada mas não era magnânima. Venceu vitórias famosas mas não mostrou generosidade para com os derrotados, nem nas palavras nem nas acções. Como tal, falhou na criação da harmonia a partir da discórdia.

 

A sua missão foi projectada a partir de uma base ideológica estreita. Tanto no instinto como na linguagem, Thatcher foi uma seguidora de Friedrich von Hayek. Para si, tal como para Hayek, o grande erro intelectual do século XX era a crença de que o Estado deveria melhorar os esforços espontâneos dos indivíduos. O que os outros viam como o papel do Estado em elevar as condições do povo, ela via um caminho insidioso para a servidão. É fácil de ver por que a sua mensagem teve eco na Europa de Leste.

 

Traduzindo para termos britânicos, isto significa libertar o impulso para a criação de riqueza da mão morta do socialismo, da burocracia, das organizações sindicais, que, na sua leitura da história, tinham conduzido ao declínio da Grã-Bretanha. O bom samaritano, dizia ela, deveria ser admirado porque ele ajudou-se a si próprio antes de ajudar os pobres.

 

O programa insular de renascimento nacional afastou-se, cada vez mais, da abordagem mais dirigista da Europa continental. No seu famoso discurso de Bruges, em 1988, declarou: “Nós não reduzimos, com sucesso, as fronteiras do Estado da Grã-Bretanha para vê-las a serem impostas a nível europeu, com um super-Estado a exercer um novo domínio a partir de Bruxelas”. Thatcher deixou as relações entre o Reino Unido e a União Europeia num caos do qual nunca recuperaram.

 

Obviamente que, tal como qualquer político perspicaz, Thatcher sabia que batalhas eram invencíveis ou aquelas que tinham de ser adiadas; mas sempre preferiu ganhar uma luta do que chegar a um compromisso. Ganhou a alcunha de “Dama de Ferro” pela liderança decisiva na Guerra das Malvinas. Ainda assim, a maior parte das suas batalhas foram travadas contra secções do seu próprio povo – o “inimigo interno”, como os mineiros que esmagou na greve de 1984-1985, ou o Greater London Council [unidade administrativa da área de Londres], de Ken Livingstone, que aboliu em 1986.

 

Insistia nas suas humildes origens como neta de um merceeiro de Grantham e não tinha tempo para o “establishment”, que culpava pelo declínio moral e económico da Grã-Bretanha. Percebia a classe média mais baixa, partilhava das suas aspirações materiais e dos seus preconceitos morais e defendia cortes na despesa do Estado da mesma forma que uma dona de casa geria as suas finanças semanais. Reconhecia os membros “aspiracionais” da classe trabalhadora ao vender-lhes habitações estatais a desconto. O apoio aos pobres que o mereciam era, para ela, tão importante como a parte de um orçamento familiar destinada à caridade. E, embora fosse a mais bem-sucedida política mulher de sempre, via o feminismo como um “veneno” e fez pouco para encorajar as mulheres a seguirem-na.

 

As respostas de Thatcher à crescente desordem industrial dos anos 70 passavam pelo “monetarismo”, de modo a eliminar a inflação, pelas limitações legais ao poder dos sindicatos e pela privatização de grandes indústrias estatais – “vender as pratas da família” como denominou o antigo primeiro-ministro conservador Harold Macmillan. O objectivo destas três medidas era restaurar tanto a autoridade do Estado como o dinamismo económico.


Com a ajuda do petróleo do Mar do Norte, Thatcher reverteu o declínio económico relativo da Grã-Bretanha. Mas as suas vitórias vieram juntamente com um enorme custo social, com o desemprego a crescer para 12% da força de trabalho (3 milhões de pessoas) em 1984, a taxa mais elevada desde os anos 30. Para aqueles que cresceram no norte industrial, o Thatcherismo impediu o futuro. A nova economia baseada nas finanças e no consumo saltou uma geração.

 

Embora possam admirá-la, a maioria dos britânicos nunca ficou convencido de que o caminho seguido por Thatcher era a única alternativa. Apesar de ter ganho três eleições consecutivas, os conservadores nunca obtiveram mais de 43% do voto popular, muito abaixo dos níveis alcançados por outros líderes conservadores nos anos 50 – como Churchill, Anthony Eden e Macmillan. A sua taxa de aprovação superou os 50% em apenas cinco dos 137 meses em que ocupou o cargo.

 

De facto, nos assuntos económicos e sociais, o eleitorado ficou cada vez menos thatcherista durante os anos que exerceu a função de primeiro-ministro. O zelo missionário caiu em saco roto. Thatcher devia o seu poder a uma oposição dividida e a um sistema eleitoral de maioria simples.

 

Thatcher deu o seu próprio resumo para o projecto político que liderou: “A economia é um método. O objecto é mudar a alma”. Se essa for a métrica, então, apesar das suas conquistas, o Thatcherismo falhou.

 

A mudança em que colocou as finanças no centro do mundo, que Thatcher promoveu, intensificou a desigualdade e tornou a economia mais volátil. A política do “direito a comprar” desencadeou uma espiral de subida dos preços das casas, o que encorajou as famílias a acumularem dívida. O “Big Bang” de 1986, que desregulou os serviços financeiros, fez com que os comportamentos mais arriscados se tornassem a norma da City. Estas reformas semearam a crise financeira de 2008.

 

Os “valores vitorianos” que Thatcher tentou estimular entraram em conflito com a celebração desenfreada da riqueza material que o seu governo provocou. A sociedade moral, baseada no interesse próprio decente, que Thatcher quis estabelecer tornou-se numa sociedade gananciosa, com base na auto-estima grosseira. Se sentiu alguma dúvida retrospectiva, Thatcher não deu nenhum sinal disso.

 

Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Diogo Cavaleiro

 

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