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Robert Shiller - Economista 12 de Maio de 2015 às 20:00

Quão assustador é o mercado obrigacionista?

Os preços das obrigações soberanas de longo prazo têm subido bastante nos últimos anos (ou seja, as suas rendibilidades têm sido bastante baixas). Nos Estados Unidos, os juros das Obrigações do Tesouro a 30 anos atingiram um mínimo histórico (desde que teve início, em 1972, a série da Reserva Federal) de 2,25% no passado dia 30 de Janeiro. A 'yield' das obrigações soberanas britânicas a 30 anos caiu para 2,04% no mesmo dia. Os juros das obrigações do governo japonês, na maturidade a 20 anos, foram de apenas 0,87% no passado dia 20 de Janeiro.

Todas estas rendibilidades subiram, desde então, mas continuam em níveis excepcionalmente baixos. Parece desconcertante – e insustentável – que as pessoas deixem imobilizado o seu dinheiro por 20 ou 30 anos para terem um retorno muito baixo ou nada mais que a taxa de inflação anual de 2% fixada por estes bancos centrais. De modo que, como o mercado obrigacionista parece estar prestes a registar uma forte correcção, muitos questionam-se se um ‘crash’ poderá fazer baixar os mercados de outros activos de longo prazo, como imobiliário e acções.

 

É uma pergunta que me fazem repetidamente em seminários e conferências. Afinal de contas, os participantes nos mercados imobiliário e bolsista fixam os preços tendo em conta os preços no mercado obrigacionista, por isso o contágio de um mercado de longo prazo para outro parece ser uma possibilidade real. O nosso trabalho com os dados dos anos compreendidos entre 1952 e 1971 demonstrou que o mercado das obrigações de longo prazo era fácil, nessa altura, de descrever. As taxas de juro de longo prazo de uma data qualquer podiam ser perfeitamente explicadas como uma média ponderada dos 18 trimestres anteriores de inflação e dos 18 últimos trimestres de taxas de juro reais de curto prazo. Quando a inflação e as taxas de juro reais de curto prazo subiam, as taxas de longo prazo também subiam. Quando ambas desciam, o mesmo acontecia com as de longo prazo.

 

Actualmente, dispomos de mais de 40 anos de dados adicionais, por isso analisei-os para ver se a nossa teoria continuava a ser uma boa base de previsão. Acontece que as nossas estimativas naquela época, se aplicadas a dados posteriores, previam extremamente bem as taxas de longo prazo até 20 anos depois da nossa publicação; no entanto, em meados dos anos 90, a nossa teoria começou a exagerar as projecções. Seguindo o nosso modelo, as taxas de juro de longo prazo nos Estados Unidos deveriam estar ainda mais baixas do que estão agora, porque tanto a inflação como as taxas de juro reais de curto prazo estão praticamente a zero ou negativas. Mesmo tendo em conta o impacto do programa de flexibilização quantitativa levado a cabo desde 2008, as taxas de juro de longo prazo estão mais elevadas do que o esperado.

 

Contudo, a explicação que desenvolvemos naquela altura continua a adequar-se bastante bem como fundamento da convicção de que só assistiremos a um ‘crash’ no mercado das obrigações se os bancos centrais endurecerem drasticamente as suas políticas monetárias (subindo fortemente as taxas de juro de curto prazo) ou se houver uma subida brusca da inflação.

 

As quedas nos mercados obrigacionistas têm sido relativamente escassas e suaves. Nos Estados Unidos, a maior queda num ano no índice da Moody’s do retorno mensal total das obrigações corporativas a 30 anos (que existem desde 1857), reflectida no Global Financial Data (GFD), foi de 12,5% nos 12 meses terminados em Fevereiro de 1980. Compare-se com o mercado accionista: segundo o índice de retorno mensal total do S&P 500, de acordo com os dados fornecidos pelo GFD, registou-se uma perda anual de 67,8% nos 12 meses terminados em Maio de 1932, durante a Grande Recessão, e desde 1900 houve 23 ocorrências de perdas anuais acima de 12,5%.

 

Importa também sublinhar que tipo de acontecimento é necessário para originar uma queda de 12,5% no mercado das obrigações de longo prazo. A queda registada nos 12 meses terminados em Fevereiro de 1980 deu-se imediatamente após Paul Volcker ter assumido a presidência da Reserva Federal norte-americana, em 1979. Uma sondagem da Gallup de 1979 revelou que 62% dos norte-americanos via a inflação como ‘o problema mais importante com que o país se deparava’. Volcker tomou medidas radicais para lidar com isso, subindo tanto as taxas de juro de curto prazo que criou uma recessão profunda. Também criou inimigos (e chegou mesmo a receber ameaças de morte). Havia quem se perguntasse se sairia impune politicamente ou se seria destituído.

 

No que diz respeito ao mercado accionista e ao mercado imobiliário, poderá muito bem ocorrer um dia destes uma importante correcção em baixa. Mas isso provavelmente terá pouca correlação com um ‘crash’ no mercado obrigacionista. Foi o que aconteceu com as maiores correcções nas bolsas norte-americanas durante o último século (1907, 1929, 1973, 2000 e 2007) e com as maiores correcções no mercado imobiliário dos EUA de todos os tempos (1979, 1989 e 2006).

 

É certo que as 'yields' extraordinariamente baixas das obrigações de longo prazo superam a extensão da experiência histórica, mas esse é também o caso de um cenário hipotético em que um súbito 'crash' no mercado da dívida faria baixar os preços das acções e das casas. Quando um evento nunca ocorreu, não pode ser previsto com segurança alguma.

 

Robert J. Shiller, prémio Nobel da Economia em 2013 e professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor do índice Case-Shiller dos preços das casas nos EUA. Foi recentemente publicada a terceira edição do seu livro Irrational Exuberance, com um novo capítulo dedicado ao mercado obrigacionista.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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