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15 de Outubro de 2013 às 08:00

Os melhores, os mais brilhantes e os menos produtivos?

Sem dúvida que necessitamos que algumas pessoas se dediquem ao ‘trading’ e à especulação. Mas como sabemos quando já são demasiadas?

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Será por acaso excessivo o número das pessoas mais talentosas que optam actualmente por carreiras nas finanças – e, mais especificamente, por se dedicarem ao “trading”, especulação e outras actividades alegadamente “não produtivas”?

 

Nos Estados Unidos, 7,4% das remunerações dos trabalhadores em 2012 foi para as mãos de pessoas que trabalham no sector segurador e das finanças. Seja ou não esta percentagem demasiado elevada, a verdadeira questão é que essa proporção é ainda mais alta entre os indivíduos com mais formação académica e mais realizados, cujas actividades podem ser económica e socialmente inúteis, se não mesmo nocivas.

 

Num estudo sobre universidades de elite nos Estados Unidos, Catherine Rampell concluiu que em 2006, pouco antes da crise financeira, 25% dos estudantes diplomados por Harvard, 24% por Yale e 46% por Princeton iniciavam as suas carreiras nos serviços financeiros. Estas percentagens entretanto já diminuíram, mas poderá ser apenas um efeito temporário da crise.

 

Segundo um estudo de Thomas Philippon e Ariell Reshef, grande parte do aumento nas actividades financeiras ocorreu nos domínios mais especulativos, em detrimento das finanças tradicionais. De 1950 a 2006, a intermediação de crédito (concessão de empréstimos, incluindo a banca convencional) desceu face a “outras actividades financeiras” (como acções, matérias-primas, capital de risco, fundos de cobertura de risco, ‘trusts’ e outras actividades de investimento, como a banca de investimento). Além disso, os salários nas “outras actividades financeiras” dispararam face aos da intermediação de crédito.

 

Sem dúvida que necessitamos que algumas pessoas se dediquem ao ‘trading’ e à especulação. Mas como sabemos quando já são demasiadas?

 

Para algumas pessoas, trata-se de uma questão moral. Negociar contra outras pessoas é considerado como uma actividade intrinsecamente egoísta, mesmo que comporte benefícios sociais indirectos. No entanto, como os economistas gostam de salientar, os operadores e especuladores oferecem um serviço útil. Eles analisam toda a informação sobre as empresas e (pelo menos, durante parte do tempo) tentam avaliar o seu valor real. Dessa forma, contribuem para alocar os recursos da sociedade às suas melhores utilizações – ou seja, às empresas mais promissoras.

 

Contudo, as actividades destes indivíduos também nos trazem custos. Com efeito, um estudo de 2011 levado a cabo por Patrick Bolton, Tano Santos e José Scheinkman diz que uma percentagem significativa da especulação e do ‘trading’ procura simplesmente a obtenção de lucros. Por outras palavras, trata-se de uma actividade ineficiente que só serve para cobrar rendas sobre produtos que, de outra forma, seriam gratuitos.

 

O clássico exemplo de procura de lucro é o de um senhor feudal que instala uma rede que cobre toda a largura do rio que atravessa as suas terras e que depois contrata um cobrador para que exija uma quantia para baixar a rede para a passagem dos barcos (ou para o aluguer de uma secção do rio durante alguns minutos). Não há nada de produtivo na rede nem no cobrador. O senhor feudal não fez qualquer melhoria no rio e não ajuda quem quer que seja, nem directa nem indirectamente. Só se ajuda a si mesmo. A única coisa que ele fez foi encontrar uma forma de ganhar dinheiro a partir de algo que antes era gratuito. Se um número suficiente de senhores feudais ao longo do rio seguisse o seu exemplo, o acesso ao rio poderia ficar seriamente comprometido.

 

Os que se dedicam a “outras actividades financeiras” comportam-se frequentemente da mesma forma. Procuram os melhores acordos comerciais, criando uma “externalidade negativa” para quem não lhes está associado. Se os maus activos que eles rejeitam – a título de exemplo, os títulos endossados a hipotecas de alto risco que alimentaram a crise financeira de 2008 – acabarem na mesma por ser criados, e impostos a investidores menos esclarecidos, os financeiros não contribuem mais para a sociedade do que um senhor feudal que instala uma rede de um lado ao outro do rio.

 

Num outro estudo, Patrick Bolton explora este ponto de vista, analisando mais precisamente os banqueiros e a Lei Glass-Steagall, que proibia os bancos de se envolverem numa ampla variedade de actividades classificadas como “banca de investimento”. Desde que a Lei Gramm-Leach-Bliley de 1999 anulou a Lei Glass-Steagall, os banqueiros começaram a comportar-se cada vez mais como senhores feudais. A Lei Dodd-Frank de 2010 introduziu uma medida algo semelhante à proibição prevista na Glass-Steagall, ao impor a Regra Volcker, que interdita os bancos comerciais de negociarem por conta própria. No entanto, muito mais poderia ser feito.

 

Para muitos observadores, a Lei Glass-Steagall não fazia qualquer sentido. Por que não se deveria permitir que os bancos se envolvessem em qualquer actividade comercial, desde que existissem reguladores para assegurar que essas actividades bancárias não ameaçavam toda a infra-estrutura financeira?

 

Com efeito, as principais vantagens da Lei Glass-Steagall original poderão ter sido mais sociológicas do que técnicas, ao alterarem a cultura e o ambiente das empresas de forma subtil. A separação das actividades de negócio terá talvez permitido aos bancos concentrarem-se nas suas actividades tradicionais.

 

Bolton e os seus colegas parecem ter razão em muitos sentidos, apesar de, no estado actual da investigação económica, não ter sido ainda possível calcular o valor que tem para a sociedade o facto de os nossos melhores e mais brilhantes cérebros fazerem carreira nos diferentes domínios hoje em dia tão populares das “outras actividades financeiras”. As actividades especulativas têm vantagens e desvantagens, muitos aspectos positivos mas também alguns inconvenientes, e isso é muito difícil de quantificar. Temos de ser mais cautelosos relativamente à regulação imposta sobre essas actividades, mas não deveríamos hesitar em estabelecer regras assim que a situação esteja clarificada.

 

Robert J. Shiller é professor de Economia na Universidade de Yale e foi co-Nobel da Economia em 2013.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

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