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Robert Shiller - Economista 23 de Fevereiro de 2016 às 20:30

Economistas no caminho dos refugiados

Precisamos de mais pesquisa sobre o que pode e deve ser feito no longo-prazo pelos refugiados. Os refugiados têm de correr enormes riscos para encontrar segurança, e os custos e benefícios de os ajudar estão distribuídos caprichosamente.

A actual crise global de refugiados remete para o período imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial. Tendo em conta uma estimativa contemporânea, houve mais de 40 milhões de refugiados somente na Europa. Estas "pessoas deslocalizadas", como eram chamadas nessa altura, foram forçadas a abandonar as suas casas devido a violência, recolocações forçadas, perseguições e destruição de propriedades e infraestruturas.

 

A situação terrível do pós-guerra levou à criação, em 1950, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que se esperava ter um mandato temporário, protegendo pessoas deslocalizadas durante três anos. Mas o problema nunca foi embora. Pelo contrário, o ACNUR não permanece apenas connosco; está a soar um alarme.

 

No seu relatório do primeiro semestre de 2015, a agência elevou o número de pessoas "deslocalizadas forçadas" em 59,5 milhões no final de 2014, incluindo 19,5 milhões deslocalizados internacionalmente, definidos como verdadeiros refugiados. De cada um dos seguintes países – Afeganistão, Azerbaijão, Colômbia, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Iraque, Myanmar, Nigéria, Paquistão, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Síria e Ucrânia – resultaram mais de meio milhão de deslocalizados forçados no final de 2014. O relatório nota que o número total terá certamente crescido de forma substancial desde então.

 

Infelizmente, o relatório destaca a nossa incompleta compreensão do problema dos refugiados. Na verdade, ao longo da história, o destino dos refugiados à procura de asilo noutro local foi pouco estudado. Os historiadores recordam guerras e mencionam diásporas, mas raramente demonstram muito interesse em relação à forma como as crises de refugiados surgem ou foram resolvidas.

 

Não é surpresa que a história seja escrita pelos vencedores. A noção de que um país aterrorizou uma minoria ao ponto dos seus membros terem de fugir, ou que uma parcela substancial dos antepassados chegou como derrotado e em pânico, não é propriamente uma fonte de inspiração para a identidade nacional. Por isso as histórias, não ouvidas nem ditas, perdem-se.

 

É por isso que precisamos de mais pesquisa sobre o que pode e deve ser feito no longo-prazo pelos refugiados. O ACNUR tem feito um importante trabalho na protecção dos refugiados, mas não pode suprir isoladamente as suas necessidades. O orçamento de 7 mil milhões de dólares em 2015 pode parecer avultado, mas representa apenas cerca de 100 dólares por cada pessoa deslocalizada – o que não é suficiente para cobrir bens essenciais como alimentos e abrigos.

 

Enquanto presidente da Associação Americana de Economistas em 2016, senti a obrigação moral de utilizar o nosso encontro anual, realizado há algumas semanas, como um cenário para chamar a atenção para problemas económicos sérios. E a crise dos refugiados é um problema económico. Mas foram escassos os trabalhos apresentados sobre o tema. Por isso, decidi criar uma sessão intitulada Sessenta Milhões de Refugiados, e convidei alguns dos melhores especialistas em migrações. Pedi-lhes que descrevessem as dimensões dos problemas dos refugiados em termos económicos, e que propusessem algumas medidas sensíveis para enfrentar a situação.

 

Um dos trabalhos, feito por Timothy J. Hatton, da Universidade de Essex e da Universidade Nacional da Austrália, examinou os fluxos de refugiados em todo o mundo, para perceber o que os guia. Hatton confronta um argumento popular contra a admissão de refugiados: o de que os requerentes de asilo não estão verdadeiramente desesperados, porque estão a utilizar a crise como pretexto para serem admitidos num país mais rico. Ele descobriu que, contrariamente a muitas expectativas, os fluxos de refugiados são, em grande medida, provocados pelo terror político e pelo abuso dos direitos humanos e não por motivações económicas. Pessoas que temem pelas suas próprias vidas fogem para o local seguro mais próximo, não para o mais rico. Não há escapatória relativamente ao imperativo moral de ajudar essas pessoas.

 

Semih Tumen, do banco central da Turquia, apresentou provas acerca do impacto de 2,2 milhões de refugiados sírios no mercado laboral na região fronteiriça. Também o documento de Tumen enfrenta um argumento frequentemente utilizado em oposição à admissão de refugiados: que os refugiados vão tirar empregos e fazer baixar os salários. Ele descobriu que, na verdade, no sector formal os empregos para os locais aumentaram depois do influxo de refugiados, e se posteriores investigações suportarem esta teoria, os países poderão mesmo agradecer o ingresso de trabalhadores.

 

Um outro trabalho, de Susan F. Martin, da Universidade de Georgetown, descreveu a arbitrariedade dos nossos actuais procedimentos em matéria de refugiados e pede "quadros jurídicos baseados na necessidade de protecção, em vez das causas causadoras das migrações". Mas a formulação de tais regras exige pensamento económico cauteloso. Os autores de um sistema de refugiados precisam de ter em conta os efeitos incitadores para os migrantes e para os governos dos seus países de origem. Por exemplo, não queremos fazer com que seja demasiado fácil a tiranos encaminharam as minorias indesejadas para fora dos seus países.

 

Finalmente, Jeffrey D. Sachs, da Universidade de Columbia, detalhou sobre um novo e importante sistema de gestão de refugiados. Sachs está preocupado com a forma como as regras de tal sistema vão moldar as economias mundiais no longo-prazo. Ele quer um sistema que previna a fuga de cérebros mediante um compromisso para o acolhimento dos imigrantes menos qualificados e mais desesperados, e não apenas para acolher aqueles que são altamente úteis para o país receptor. Além disso, a taxa de fluxos tem de ser regulada, e os economistas precisam de desenvolver uma forma para assegurar uma partilha equitativa do fardo entre os países.

 

Segundo as aleatórias e arcaicas regras de asilo actuais, os refugiados têm de correr enormes riscos para encontrar segurança, e os custos e benefícios de os ajudar estão distribuídos caprichosamente. Não tem de ser assim. Os economistas podem ajudar testando quais as regras e instituições internacionais que são necessárias para reformar um sistema ineficiente e muitas vezes desumano.

 

Robert J. Shiller, laureado com um Nobel em 2013, é professor de Economia na Universidade de Yale, e é co-autor, juntamente a George Akerlof, do livro "Phishing for Phools: The Economics of Manipulation and Deception".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: David Santiago

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