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Robert Shiller - Economista 18 de Agosto de 2015 às 20:00

A miragem da singularidade financeira

No seu novo livro "The Incredible Shrinking Alpha", Larry E. Swedroe e Andrew L. Berkin descrevem um ambiente de investimento povoado por analistas cada vez mais sofisticados, que trabalham com grandes dados, poderosos computadores e investigação académica. Com toda esta competição, "os obstáculos para alcançar um alpha [retornos acima de um valor de referência ajustado ao risco - e, portanto, uma medida de sucesso na escolha de investimentos individuais] são cada vez maiores".

Esta conclusão levanta uma questão fundamental: acabará o alpha por cair para zero em cada estratégia de investimento que se possa imaginar? Mais importante ainda, estará a aproximar-se o dia em que, graças a tantas pessoas inteligentes e computadores ainda mais inteligentes, os mercados financeiros se vão tornar perfeitos, e em que nós nos podemos sentar, relaxar, e assumir que todos os activos estão a ser avaliados de forma correcta?

 

Esta situação imaginária poderia ser apelidada de singularidade financeira, análoga à hipotética singularidade tecnológica do futuro, quando os computadores substituírem a inteligência humana. A singularidade financeira implica que todas as decisões de investimento deveriam ser deixadas nas mãos de um programa de computadores, porque os especialistas, com os seus algoritmos, descobriram o que impulsiona os resultados dos mercados e reduziram-no a um sistema perfeito. 

 

Muitos acreditam que estamos quase lá. Diz-se, inclusivamente, que mesmo investidores lendários como Warren Buffett não estão a superar o mercado. Num artigo recente, chamado "Buffett’s Alpha", Andrea Frazzini e David Kabiller, da AQR Capital Management, e Lasse Pedersen, da Copenhagen Business School, concluem que Buffett não está a gerar um alfa significativamente positivo, tendo em conta certos factores de risco menos conhecidos que têm pesado no seu portefólio. A implicação é que o génio de Buffet poderia ser replicado por um programa de computador que incorpora esses factores.

 

Se isso fosse verdade, os investidores abandonariam, em massa, os seus esforços para descobrir qualquer fixação errada de preços no mercado, porque não haveria nenhuma. Os participantes do mercado assumiriam racionalmente que cada preço de uma acção é o verdadeiro valor esperado dos fluxos de caixa futuros, com a taxa adequada de desconto, e que esses fluxos de caixa reflectem os fundamentos que todos entendem da mesma forma. As decisões dos investidores só divergiriam com base nas diferenças da sua situação pessoal. Por exemplo, um engenheiro automóvel poderia não comprar acções do sector automóvel – ou até mesmo vender a descoberto - como uma forma de restringir o risco do seu próprio tipo particular de capital humano. Na verdade, de acordo com um computador que processa grandes dados, esta seria uma decisão óptima.

 

Há um problema, reconhecido há muito tempo, com estes mercados perfeitos: Ninguém iria querer esforçar-se para descobrir o que as oscilações dos preços significam para o futuro. Há trinta e cinco anos, no seu artigo clássico, "On the Impossibility of Informationally Efficient Markets", Sanford Grossman e Joseph Stiglitz apresentaram este problema como um paradoxo: os mercados perfeitamente eficientes requerem o esforço de dinheiro inteligente para os tornar assim; mas se os mercados fossem perfeitos, o dinheiro inteligente desistiria de tentar.

 

O enigma Grossman-Stiglitz parece menos convincente na singularidade financeira, se conseguirmos imaginar que os computadores dirigem todas as decisões de investimento. Embora o alpha possa ser muito pequeno, ele ainda representa lucros suficientes para manter os computadores a funcionar.

 

Mas o verdadeiro problema desta visão da singularidade financeira não é o enigma Grossman-Stiglitz; é que os mercados do mundo real não estão nem perto disso. Os entusiastas da computação estão animados com coisas como o blockchain usado pela Bitcoin (detalhado num site educativo chamado Singularity University, numa secção dramaticamente intitulada de Exponential Finances). Mas o mundo financeiro dos futuristas não tem qualquer semelhança com o mundo financeiro dos dias de hoje. Afinal de contas, a singularidade financeira implica que todos os preços tenham por base coisas como os lucros futuros optimamente projectados e a correlação dos lucros com as inovações tecnológicas esperadas e as alterações demográficas de longo prazo. Mas o dinheiro inteligente quase nunca fala em termos tão etéreos.

 

Neste contexto, é difícil não pensar na recente queda do mercado de acções da China. As notícias deram conta de hordas de pessoas a negociar com base no palpite e na superstição. Isso assemelha-se muito mais à realidade do que todos os debates sobre a iminente singularidade financeira.

 

Os mercados parecem ser conduzidos por histórias, como eu enfatizo no meu livro "Irrational Exuberance". Há histórias de grandes novas eras e de depressões iminentes. Há histórias fundamentais sobre a tecnologia e queda de recursos. E há histórias sobre política e conspirações bizarras.

 

Ninguém sabe se estas histórias são verdadeiras, mas elas assumem uma vida própria. Às vezes, tornam-se virais. Quando se tem uma conversa franca com muitas pessoas aparentemente racionais, elas acabam por ter teorias malucas. Essas pessoas influenciam os mercados, porque todos os outros investidores devem contar com elas; e a sua loucura não vai desaparecer tão cedo.

 

Talvez o estilo de investimento de Buffett no passado possa ser capturado num algoritmo de negociação hoje em dia. Mas isso não diminui necessariamente a sua genialidade. Na verdade, a verdadeira fonte do seu sucesso pode consistir na sua compreensão de quando abandonar um método e conceber outro.

 

A ideia de singularidade financeira pode parecer inspiradora; mas não é menos ilusória do que a utopia racional que inspirou gerações de planificadores centrais. O julgamento humano, bom e mau, irá conduzir as decisões de investimento e os resultados dos mercados financeiros para o resto das nossas vidas e mais além.

Robert J. Shiller, prémio Nobel da Economia em 2013 e professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor do índice Case-Shiller dos preços das casas nos EUA. Foi recentemente publicada a terceira edição do seu livro Irrational Exuberance, com um novo capítulo dedicado ao mercado obrigacionista.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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