Opinião
Unificação e Desagregação
Em todo o mundo milhões de pessoas assistiram aos feitos atléticos nos Jogos Olímpicos de Sochi e ao grandioso retrato da história e cultura russa nas cerimónias de abertura e encerramento dos jogos. Mas o custo foi enorme, a alegada corrupção, desencorajadora, e o contraste com a situação política alarmante na vizinha Ucrânia.
Depois da disponibilidade para assinar, com a União Europeia, um Acordo de Associação, o ex-Presidente Viktor Yanukovych preferiu optar por fortalecer os laços com a Rússia, em função da imensa pressão do Kremlin, aliada à promessa de 15 mil milhões de dólares de financiamento. Seguiram-se três meses de protestos e motins. Uma votação parlamentar retirou do poder Yanukovych, que vivia de forma faustosa, e este acabou por voar para a Rússia. A situação permanece tensa e fluída. As tropas russas ocuparam a Crimeia, e os líderes europeus e americanos ameaçam com a imposição de pesadas sanções contra a Rússia, se esta não respeitar a soberania da Ucrânia.
Mas a falta de unidade da Ucrânia é evidente. O leste da Ucrânia tem proximidade linguística, cultural e laços económicos com a Rússia, enquanto a Ucrânia ocidental tende mais para a Europa continental. Algumas regiões da Ucrânia têm historicamente feito parte da Rússia, da Polónia ou do Império Otomano. Pedro o Grande, cuja ocidentalização russa no século XVIII foi retratada em Sochi, lutou contra os Tártaros da Crimeia, de quem muitos dos descendentes foram enviados por Estaline para outras partes da então União Soviética. Alguns temem que a Ucrânia possa desagregar-se.
Um Acordo de Associação com a UE pode ser muito benéfico para a economia ucraniana. Quando economias mais pequenas ganham acesso a mercados muito maiores, o volume de trocas comerciais cresce e os salários aumentam, com uma pequena parte da expansão comercial a ser desviada de outros países (uma das preocupações da Rússia).
Mas, para além dos ganhos derivados do comércio, tal pacto encerra a promessa de abertura e aceleração da transformação da economia e da comunidade política da Ucrânia. Competir pelos consumidores mais exigentes da UE forçaria os produtores ucranianos a melhorar a sua competitividade através do aumento da produtividade, da qualidade do controlo, e das capacidades logísticas e de marketing. Com o passar do tempo, os produtores ucranianos tornar-se-iam parte de uma cadeia de distribuição integrada em conjunto com os produtores da UE.
O Canadá e o México sofreram uma transformação deste tipo com o Acordo de Comércio Livre Estados Unidos-Canadá de 1987 e com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte em 1994. Em média, 40% das exportações mexicanas para os Estados Unidos têm, actualmente, componentes dos Estados Unidos.
Mas os acordos de comércio-livre pressupõem a existência de fronteiras políticas estabelecidas e a Ucrânia não é o único país em risco de desintegração. O Reino Unido, Canadá, Espanha, Iraque – e até o Estado norte-americano da Califórnia – entre outros, enfrentam uma possibilidade semelhante, mesmo que mais ou menos remota. Aquilo que todas estas situações têm em comum é uma grande diversidade de interesses culturais, étnicos e económicos.
A Escócia, por exemplo, tem instituições locais fortes, todavia vai votar a independência em Setembro. Os secessionistas remetem para a brutalidade inglesa do século XVIII e reclamam que a Escócia será capaz de conservar todo o petróleo do Mar do Norte e livrar-se da sua parcela da dívida do Reino Unido. Na realidade, é provável que ambas acabem por ser partilhadas. Aqueles que preferem a manutenção no Reino Unido alegam a perda de mercados, a possível perda da libra esterlina e uma redução de relevância no plano europeu e mundial. A aposta é que os escoceses votarão para permanecer.
Em Espanha, alguns catalães têm episodicamente exigido a independência, tal como alguns flamencos na Bélgica e alguns quebequenses no Canadá. O Iraque periodicamente raia a possibilidade de dividir-se em Estados sunitas, xiitas e curdos (os curdos já gozam de uma autonomia considerável).
Na Califórnia, a cada decénio ou dois, vêm à superfície propostas de divisão em Carolina do Norte e Carolina do Sul. O sul, mais árido e populoso, tem sido tradicionalmente mais conservador em termos políticos do que o norte (Los Angeles é uma excepção). O desvio de água num ano de seca, aliado à proposta da construção de maciças infra-estruturas para enviar água para o sul, agravou as tensões.
Tim Draper, um importante investidor de capital de risco, pretende avançar com uma proposição de referendo para dividir a Califórnia em seis Estados separados. (A Califórnia adopta muitas vezes importantes decisões – desde a limitação de impostos sobre propriedades ao estabelecimento de limites de despesa pública – através do voto em referendo). Mesmo que a proposta de Draper cumpra os requisitos e seja aprovada, tal exigiria a aprovação por parte do Congresso dos Estados Unidos, o que é pouco provável.
Quais são as responsabilidades que devem ser atribuídas em primeiro lugar a indivíduos que actuam nos mercados, famílias e comunidades, e quais devem recair sobre o Governo? E a que nível de Governo – federal, regional, municipal ou supranacional – são estas responsabilidades melhor exercidas?
Estas questões são intemporais; mas, numa era de comunicação crescente e instantânea, as grandes burocracias dos governos centralizados estão a deteriorar-se ou pior. As pessoas querem administrações mais eficientes e sustentáveis, com capacidade para responder às suas preocupações, e exigem que as decisões sejam descentralizadas.
É possível que estejamos nas fases preliminares de uma inversão da tendência de grande dimensão, alcance e centralização de Governo, para uma era em que a autoridade se transfira para ambientes mais localizados e mais próximos do lugar onde as pessoas vivem e trabalham. Cada vez mais e mais pessoas parecem não estar na disposição de viver segundo os processos de tomada de decisão dos governos actuais. Até mesmo com um regime democrático maioritário, as minorias acreditam que os seus interesses e direitos – económicos, culturais ou religiosos – não estão a ser protegidos. A proliferação de pedidos de devolução, secessão e independência mais não é do que uma manifestação desta alteração tectónica.
Michael J. Boskin, professor de Economia na Universidade de Stanford e membro sénior da Hoover Institution, foi presidente do Conselho de Assessores Económicos de George H. W. Bush de 1989 a 1993
© Project Syndicate, 2014.
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Tradução: David Santiago