Opinião
Chile versus Argentina
Os economistas habitualmente comparam economias semelhantes para isolar o impacto de uma diferença particular. Esta abordagem dá uma imagem convincente do papel de factores específicos, quer para o contributo quer para o enfraquecimento, do sucesso económico.
Por exemplo, apesar das suas raízes históricas e culturais, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul são duas sociedades muito diferentes. A Coreia do Norte tem um padrão de vida consideravelmente mais baixo, devido ao governo comunista e à economia centralizada. Já a Coreia do Sul tem um governo democrático e uma economia capitalista mista, o que contrasta fortemente com o vizinho do norte.
A experiência alemã depois da Segunda Guerra Mundial dá um outro exemplo eloquente. Quando o Muro de Berlim caiu, apenas duas gerações depois do fim da guerra, o padrão de vida da Alemanha de Leste - que era comunista - era um quinto do nível da Alemanha Ocidental.
A mesma abordagem pode ser utilizada para se perceber porque é que o Chile está a prosperar enquanto a vizinha Argentina está a enfrentar dificuldades.
Em primeiro lugar, as semelhanças. Ambos os países são orientados ao longo de um eixo norte-sul e são caracterizados por terrenos variados, longas linhas costeiras e abundante agricultura, fazendas e vinhas. Os dois países conseguiram a independência de Espanha há dois séculos. A maioria da população, nos dois casos, é composta maioritariamente por descendentes de europeus. Ambos os países têm na sua história um período de regência militar. E ambos viveram recentemente um clima de instabilidade política, incluindo protestos públicos que trouxeram um elevado número de pessoas para as ruas. Protestos esses que, por vezes, foram violentos.
Além disso, tanto o Chile como a Argentina são democracias que foram governadas por partidos de direita e de esquerda. No Chile, um presidente pode cumprir vários mandatos, mas não de forma consecutiva. Por isso, o presidente Sebastián Piñera – um centrista que lidera uma coligação de centro direita – não pode candidatar-se à reeleição, mas poderá candidatar-se em 2018.
O governo de coligação do Chile – especialmente o ministro das Finanças, Felipe Larraín – fez muito para fortalecer o desempenho macroeconómico do país, mas teve de lutar também para encontrar um candidato presidencial forte. A um escândalo seguiu-se uma intensa batalha interna para a sucessão, o que fez com que a coligação de centro-direita tenha escolhido como candidato à presidência a sua terceira opção. A líder da aliança de centro-esquerda, Michelle Bachelet, do Partido Socialista, (e que foi a antecessora de Piñera), venceu a primeira volta das presidenciais com facilidade e é esperado que seja eleita na segunda volta que se realiza neste mês de Dezembro.
Entretanto, e apesar de ter aumentado o poder do seu gabinete, a presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner – que sucedeu ao seu falecido marido, Néstor Kirchner, em 2007 – está proibida pela Constituição de candidatar-se a um terceiro mandato consecutivo. Além de a actual presidente não ter conseguido a maioria de dois terços no parlamento para alterar a Constituição, o facto de os candidatos da oposição terem obtido um bom resultado nas eleições intermédias sugere que a Argentina pode virar à direita em 2015.
Agora as diferenças. As políticas económicas dos dois países divergem em aspectos importantes. O Chile tem utilizado políticas económicas razoáveis – às vezes também inovadoras. Por exemplo, as receitas provenientes do cobre, que representam 13% do orçamento, têm de ser gastas com base num plano de longo prazo, verificado de forma independente, sendo que o excedente das receitas vai para um fundo que será usado quando os preços do cobre baixarem.
Além disso, o Banco Central do Chile manteve a inflação baixa – está em cerca de 2% - e o orçamento está próximo do equilíbrio. O sistema de pensões do país dá ênfase às poupanças dos privados e à responsabilidade individual. O acordo de comércio livre bilateral facilitou o crescimento do comércio com os Estados Unidos. E o Chile tem participado activamente nas negociações para o acordo comercial chamado Parceria Trans-Pacífico (TPP)
Para ser claro, as propostas de Michelle Bachelet de subir os impostos pagos pelas empresas, aumentar as despesas sociais, apertar o controlo governamental sobre as pensões e reavaliar a participação do Chile no TPP ameaça reverter muitos destes progressos. Mas se, uma vez no cargo, Bachelet apostar em políticas mais centristas como as do seu anterior mandato, o Chile pode manter a sua dinâmica económica.
Por outro lado, a Argentina está envolvida numa convulsão económica auto-infligida. Com o dobro da população do Chile, que recentemente descobriu depósitos energéticos e com uma capital vibrante, a Argentina tem um elevado potencial económico. De facto, há um século, era um dos países mais ricos do mundo, com um padrão de vida semelhante ao dos Estados Unidos. Actualmente, porém, o rendimento per capita dos argentinos representa apenas 40% do dos norte-americanos e está consideravelmente abaixo do rendimento per capita dos chilenos.
O diferencial entre a taxa de câmbio oficial e a taxa do mercado negro – apelidada de “Dolar Blue” – é agora de 60%. Sem surpresas, praticamente todos os retalhistas em Buenos Aires estabelecem um preço em dólares e outro em pesos. Isto pode ser explicado, em parte, pela elevada inflação, que analistas independentes colocam próximos dos 25% - mais do dobro das estimativas oficiais, que apontam para 10%.
Desde que Kirchner substituiu o princiapl indicador de inflação do Instituto Nacional de Estatísticas, em 2007, que os números oficiais da inflação têm sido manifestamente mais baixos do que de outras estimativas. (Os números da inflação no Chile também têm sido criticados, ainda que numa proporção menor, e o Instituto de Estatística do Chile é muito mais independente do Governo do que o da Argentina).
O Governo de Cristina Fernández de Kirchner intimida e nacionaliza as empresas e pressiona o Banco Central a utilizar as reservas internacionais para pagamentos de dívida. E o principal acordo comercial da Argentina, o Mercosul, perdeu uma parte importante do seu potencial. Durante os próximos cinco anos, o Fundo Monetário Internacional espera que a Argentina registe um crescimento mais fraco que o Chile bem como, que a inflação suba mais e que haja mais desemprego.
Felizmente, os eleitores estão, cada vez mais, contra o Governo de Cristina Kirchner. Em Agosto, candidatos da oposição como Sérgio Massa e Maurício Macri obtiveram um elevado apoio eleitoral com a sua campanha favorável às empresas e contra a elevada inflação, fazendo com que seja provável que se tornem candidatos às presidenciais de 2015. Mesmo que a actual presidente não cause muitos danos até às eleições, o seu sucessor vai ter de restabelecer a credibilidade da Argentina, ao nível interno e externo, para evitar uma fuga de capitais.
Poderá um presidente da Argentina promover uma descida da inflação e manter o apoio dos eleitores durante um período de crescimento mais lento ou mesmo de recessão? Aconteceu nos Estados Unidos, durante a presidência de Ronald Reagan. Reagan apoiou a descida da inflação promovida pelo presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed), Paul Volcker, apesar de a economia atravessar uma recessão profunda, ter registado uma subida do desemprego e ter perdido as eleições intermédias. A economia rapidamente recuperou e Ronald Reagan foi reeleito. A estabilidade dos preços permitiu que durante 25 anos o crescimento económico tenha sido forte e o desemprego baixo, interrompido brevemente por duas recessões suaves. Este foi o melhor desempenho macroeconómico da história dos Estados Unidos.
É esperado que a Argentina aprenda com o seu vizinho ocidental – e que o governo de Michelle Bachelet, no Chile, olhe além da Cordilheira dos Andes, reconhecendo onde podem as suas propostas levar o país, e mudar de rumo antes que seja tarde demais.
Michael J. Boskin, professor de Economia na Universidade de Stanford e membro sénior da Hoover Institution, foi presidente do Conselho de Assessores Económicos de George H. W. Bush de 1989 a 1993.
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Tradução de Ana Laranjeiro