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Serão os mercados emergentes o canário na mina das finanças?

Como vimos há uma década, e inevitavelmente veremos novamente, não estamos no "Fim da História" quando se trata de dívida global e crises financeiras.

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Será que as crises cambiais e de dívida que se estão a formar na Argentina e na Turquia são eventos localizados sem implicações mais amplas? Ou são sinais de alerta para fragilidades mais profundas nos mercados de dívida globais que estão a ser expostas à medida que a Reserva Federal dos EUA normaliza as taxas de juro?

 

A subida dos juros também poderá testar a estabilidade em algumas economias avançadas, especialmente Itália, onde os eleitores, particularmente no sul menos desenvolvido, optaram decisivamente por um governo populista disruptivo. Com uma economia dez vezes maior do que a Grécia, um incumprimento em Itália provocaria o colapso da Zona Euro. De facto, o governo populista que agora tomou posse deu a entender que quer um perdão para algumas das suas dívidas por baixo da mesa (dívidas não incluídas na dívida pública oficial de Itália de mais de 130% do PIB) ao eurosistema através do Banco Central Europeu.

 

A boa notícia é que uma crise da dívida, a nível global, ainda é relativamente improvável. Mesmo com o recente enfraquecimento do desempenho europeu, o quadro económico global continua forte, com a maioria das regiões do mundo a crescerem a bom ritmo. Embora seja verdade que várias empresas de mercados emergentes acumularam quantidades preocupantes de dívida externa denominada em dólar, muitos bancos centrais estrangeiros estão cheios de activos em dólares, especialmente na Ásia.

 

Além disso, o Fundo Monetário Internacional tem recursos suficientes para lidar com uma primeira onda de crises, mesmo que inclua, digamos, o Brasil. A principal preocupação não é que o FMI não consiga garantir fundos, mas que cometa o mesmo erro que cometeu na Grécia, ao não impor um acordo realista aos devedores e credores. Quanto a Itália, a hipótese é a Europa encontrar uma forma de conceder temporariamente parte da folga orçamental extra que o novo governo pretende, já que as autoridades da Zona Euro não podem permitir que Itália, com dívidas elevadas, simplesmente destrua a moeda comum.

 

A razão mais importante para o optimismo, apesar de todo o ruído político, é que as taxas de juro reais de longo prazo ainda estão extremamente baixas, a nível global. Mesmo com todo o drama em torno da subida dos juros da Fed, as obrigações do Tesouro a 30 anos indexadas à inflação estão a pagar cerca de 1% - muito abaixo dos retornos reais de longo prazo, que rondam os 3%. Enquanto o panorama dos juros for tão benigno, é difícil antecipar a chegada de uma onda de ‘defaults’.

 

É notável o quanto o FMI, que vigia as crises financeiras e de dívida em todo o mundo, tem aumentado as suas advertências. Depois de anos a dizer que os países avançados não precisavam mais de se preocupar com os seus níveis quase recorde de dívida pública - agora com uma média de mais de 100% para a dívida do governo - o FMI começou a alertar que muitos países podem ver-se sem espaço de manobra orçamental no caso de uma nova recessão. Os desafios provêm não só da dívida contabilizada, mas também de passivos ocultos, principalmente devido a programas de pensões e cuidados de saúde maciçamente subavaliados - dívidas implícitas que, em muitos casos, são muito maiores do que os números oficiais.

 

A esmagadora maioria das pesquisas recentes apoia a visão do FMI. Países com níveis historicamente altos de endividamento têm (em média) um desempenho, ao nível do crescimento, significativamente mais fraco perante grandes choques, e a relação de longo prazo entre dívida pública elevada e crescimento é claramente negativa. Naturalmente, isto não diz absolutamente nada sobre as consequências económicas de reduzir activamente o peso da dívida pública, um processo popularmente conhecido como "austeridade". Uma recessão profunda é o momento certo para um país usar as reservas de emergências, não para as construir.

 

É verdade que há alguns - tanto da esquerda como da direita - que pensam que "desta vez é diferente" para as economias avançadas. Sem um perigo realista (na sua opinião) de uma grande guerra ou crise financeira em breve, é uma loucura impor demasiadas restrições à dívida pública ou a promessas de pensões. Esse é um pensamento perigoso até mesmo para os Estados Unidos, apesar da maior margem orçamental que têm como emissores da moeda de reserva global.

 

Choques muito severos podem acontecer em qualquer economia, e as suas origens podem não ser as que normalmente consideramos. Por exemplo, os riscos decorrentes de ataques cibernéticos (especialmente por actores estatais), pandemias e, certamente, crises financeiras, são provavelmente muito maiores do que qualquer um gostaria de admitir. Certamente não é difícil imaginar uma desaceleração temporária na China, que poderia afectar os mercados mundiais. E se o completamente inesperado acontecer, uma coisa que podemos antecipar é que os governos com forte acesso aos mercados de crédito globais terão opções muito melhores para responder.

 

Mesmo que o cenário mais provável seja que o colapso das obrigações dos mercados emergentes permaneça contido, o nervosismo de hoje deve ser um alerta, mesmo para as economias avançadas. Afinal, nenhum país, por mais rico que seja, deve apostar o seu futuro na perspectiva de que o ambiente de taxas de juro super benigno de hoje durará para sempre.

 

Os economistas que nos asseguram que a dívida das economias avançadas é completamente "segura" soam de forma estranhamente parecida com aqueles que elogiaram a "Grande Moderação" - a supostamente permanente redução na volatilidade cíclica – há uma geração. Em muitos casos, são as mesmas pessoas. Mas, como vimos há uma década, e inevitavelmente veremos novamente, não estamos no "Fim da História" quando se trata de dívida global e crises financeiras.

 

Kenneth Rogoff, antigo economista-chefe do FMI, é professor de Economia e Políticas Públicas na Universidade de Harvard.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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