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18 de Outubro de 2016 às 20:00

A geografia das eleições

A geografia dos votos é um indicador da profunda divisão económica, social e educacional. Cidades prósperas, onde se concentram os licenciados, tendem a votar frequentemente em candidatos do centro esquerda e com uma visão internacional.

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Em muitos países, o local de residência dos eleitores permite prever em quem é que vão votar. Isto foi muito notório nos mapas da geografia eleitoral dos partidários do "leave" (sair da União Europeia) e dos partidários do "remain" (manutenção na União Europeia) no referendo realizado em Junho no Reino Unido sobre a permanência na União Europeia. Um padrão semelhante pode ser encontrado na distribuição de votos nas eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2012 ou mesmo no que diz respeito ao apoio a Marine Le Pen, da Frente Nacional, nas eleições regionais francesas de 2015. E é muito provável que se vá verificar nas próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos. Muitos cidadãos vivem em locais onde uma elevada percentagem dos seus vizinhos votam da mesma forma que eles.

 

A geografia dos votos é um indicador da profunda divisão económica, social e educacional. Cidades prósperas, onde se concentram os licenciados, tendem a votar frequentemente em candidatos do centro esquerda e com uma visão internacional, enquanto as áreas onde vivem as classes médias e as classes trabalhadoras tendem a votar em candidatos que se opõem ao livre comércio, frequentemente da ala direita nacionalista. Não é por acaso que presidentes de câmara de centro esquerda governem cidades como Nova Iorque, Londres, Paris e Berlim, enquanto cidades mais pequenas tendem a preferir políticos de direita.

 

Os padrões de voto ao nível local e regional são tão antigos quanto a democracia. O que é novo é a crescente correlação da polarização política, social e territorial que está a tornar os cidadãos em quase estranhos. Como enfatizou Enrico Moretti, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, no seu livro The New Geography of Jobs (a Nova Geografia dos Empregos) a saliência desta nova divisão é inequívoca: os licenciados representam metade da população total das áreas metropolitanas mais influentes dos Estados Unidos, mas são quatro vezes menos numerosos que as áreas piores.

 

Os choques económicos tendem a exacerbar as divisões políticas. Aqueles que vivem e trabalham nas regiões produtivas tradicionais, e que foram apanhados pela turbulência da globalização, são perdedores múltiplos: os seus empregos, o seu património imobiliário e as fortunas dos seus filhos e familiares estão todas correlacionadas.

 

Numa nova investigação fascinante de David Autor do MIT, e dos seus co-autores, são exploradas as consequências políticas. Descobrem que áreas dos Estados Unidos onde a economia foi fortemente afectada pelas exportações chinesas responderam a isto substituindo representantes moderados por políticos mais radicais – quer da esquerda quer da direita. Por conseguinte, a globalização resultou tanto numa polarização económica como numa polarização política.

 

Durante muito tempo, os Governos negligenciaram esta divisão. Alguns têm fé nos efeitos económicos, outros numa recuperação económica proporcionada pela política monetária e em outras redistribuições orçamentais. Mas estas soluções ajudaram pouco.

 

As palavras revelam-se contra a esperança inocente que a prosperidade vá eventualmente chegar a todas as áreas. Os desenvolvimentos económicos modernos assentam em fortes interacções, o que em troca exige uma elevada densidade de empresas, capacidades e inovações. Premeia a aglomeração, que é o motivo pelo qual as grandes cidades tendem a prosperar enquanto as pequenas enfrentam dificuldades. Quando uma área começa a perder capacidades e empresas, há pouca esperança que essa tendência se reverta naturalmente. Ficar sem emprego pode tornar-se a nova normalidade.

 

A expansão da procura agregada dificilmente alivia esta dor. Continua a ser verdade que a maré alta levanta todos os barcos, mas não o faz de uma forma constante. Para aqueles que sentem que ficaram de fora, o forte crescimento nacional frequentemente significa mais prosperidade e dinamismo para as cidades melhores e poucos, se alguns, ganhos para eles – e consequentemente uma divisão mais acentuada e insustentável. O crescimento em si mesmo torna-se desagregador.

 

E enquanto as transferências orçamentais ajudam a travar a desigualdade e a combater a pobreza, faz pouco para reparar o tecido social. Além disso, a sua sustentabilidade a longo prazo está cada vez mais em dúvida.

 

No seu primeiro discurso enquanto primeira-ministra britânica, Theresa May, comprometeu-se com uma abordagem "unionista" aos males económicos e sociais do país. Os candidatos presidenciais norte-americanos redescobriram a força da procura por coesão nacional e social. Preocupações semelhantes vão certamente ser levantadas na campanha para as próximas presidenciais francesas. Ainda assim, mesmo que as finalidades sejam claras, os políticos frequentemente não têm ideia do que significa.

 

Na campanha presidencial dos Estados Unidos, a protecção do comércio está novamente na moda. Mas, apesar das restrições às importações poderem aliviar as dores de algumas áreas produtivas, não vão evitar que as empresas se relocalizem para locais onde as oportunidades de crescimento são mais fortes. Não vão proteger trabalhadores das mudanças tecnológicas. E não vão recriar os padrões de desenvolvimento do passado.

 

A migração económica está cada vez mais a ser posta em causa em vários locais, mas de forma mais proeminente no Reino Unido. Mas neste caso, apesar das restrições à entrada de funcionários da Europa de Leste poder aliviar a concorrência salarial ou travar o crescimento dos preços das casas, não vai mudar o destino relativo das pequenas e grandes cidades.   

 

Em vez de reclamar o oposto, os políticos devem reconhecer que não há resoluções rápidas para o desenvolvimento desigual da geografia da economia moderna. Por mais inconveniente que possa ser, o crescimento de metrópoles é um facto – um facto ao qual não se deve resistir porque não é um jogo de soma zero. As grandes cidades vão gerar benefícios económicos para o conjunto.

 

O que as políticas públicas têm de assegurar é que a aglomeração económica não ameaça a igualdade de oportunidades. Os Governos não podem decidir onde as empresas se localizam; mas é sua responsabilidade assegurar que o local onde uma pessoa nasce não determina o seu futuro, embora o local onde uma pessoa vive afecte os seus rendimentos. Por outras palavras, as políticas públicas têm a grande responsabilidade de limitar a correlação entre geografia e mobilidade social. Como mostrou Raj Chetty de Stanford, entre outros, este está longe de ser o caso dos Estados Unidos e padrões semelhantes podem ser observados em outros países.

 

As infra-estruturas podem ajudar. Transportes eficientes, serviços de saúde de qualidade e acesso à internet de banda larga podem ajudar as cidades pequenas a atrair investimento em sectores que não assentam nos efeitos da aglomeração. Por exemplo, serviços de back-office podem ter vantagens em estar localizados onde o espaço de escritório e de habitação seja barato.

 

Por fim, há justificação para limitar o egoísmo das áreas que têm mais vantagens. A distribuição de competências entre o nível nacional e o nível sub-nacional, bem como a estrutura de impostos, foi definida num ambiente muito diferente. Para mitigar a divisão geo-económica, talvez esta estrutura tenha de ser repensada.

 

 

Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance em Berlim e comissário-geral da France Stratégie.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

 

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