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Opinião
12 de Janeiro de 2016 às 20:00

Uma China a que não se exige responsabilidade

Se o "bullying" chinês permite ao país ignorar as regras e normas internacionais, cria-se um perigoso precedente. Qualquer um consegue lembrar-se de outros países que certamente se aproveitariam disso.

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Desde o final de 2013, a China envolveu-se no frenesim da criação de ilhas artificiais e na militarização do Mar do Sul da China. Isto acresce a uma busca alarmante pelo controlo de um corredor estratégico crucial através do qual se comercializam 5,3 triliões de dólares todos os anos. Mas, ainda mais chocante – para não mencionar perigoso –, é que a China não incorre em encargos a nível internacional pelo seu comportamento.

Claro, a comunidade internacional tem muito em mãos nos dias de hoje, que mais não seja uma crise massiva de refugiados, alimentada pelo caos no Médio Oriente. Mas a realidade é que, enquanto a China se sentir livre para actuar sem consequências, vai continuar a fazê-lo, aumentando as tensões com os seus vizinhos, que podem facilmente acabar em conflito, adiando o desenvolvimento asiático.

Um componente fundamental da estratégia da China no Mar do Sul é drenar a água de baixios a descoberto criando pequenas ilhas, incluindo em áreas que, como o ministro para os Assuntos Asiáticos chinês reconheceu recentemente, "estão longe do continente chinês". Na visão da China, a distância torna "necessária" a construção de "instalações militares" nas ilhas. E, de facto, três das sete recém-construídas ilhas incluem bases aéreas, de onde os aviões de guerra chineses podem desafiar a capacidade da marinha norte-americana de operar sem obstruções na região.

Ao militarizar o Mar do Sul, a China procura estabelecer de facto uma Zona de Identificação e Defesa Aérea como a que formalmente – e unilateralmente – declarou em 2013 no Mar de Leste da China, onde reclama ilhas que não controla. A China sabe que, perante a lei internacional, reclamar soberania sobre todos os recursos no Mar do Sul, com base num "direito histórico", é fraco; é por isso que se opôs à adjudicação internacional. Em vez disso, está a tentar assegurar o "controlo efectivo" – o que, perante a lei internacional, aumenta significativamente a legitimidade da reclamação de um território – tal como fez nos Himalaias e noutras regiões.

Mas as ambições chinesas vão para lá do Mar do Sul da China: a China pretende criar uma ásia sino-cêntrica. Assim sendo, o país estabeleceu recentemente a sua primeira base militar no estrangeiro – um centro naval em Djibouti, no Corno de África – e enviou repetidamente submarinos para o Oceano Índico. Mais, a China tem em curso projectos económicos de longo alcance – como a iniciativa "um cinto, uma estrada", que visa a construção de infra-estruturas que liguem a Ásia à Europa – e que irão reforçar a sua presença e influência sobre vários países, reconfigurando a geopolítica regional à sua imagem.

Enquanto isso, a administração do Presidente Barack Obama mantém-se hesitante em apoiar o seu muito publicitado pivô para a Ásia com acções com significado – especialmente acções que criem constrangimentos à China. Em vez de, digamos, impor sanções ou exercer pressão militar sobre a China, a administração Obama tem tentado escapar a essa responsabilidade passando-a a outros.

Especificamente, aumentou a colaboração militar com outros países da Ásia- Pacífico, encorajando outros que reclamam territórios no Mar do Sul da China a reforçar as suas defesas, e suporta um papel mais activo das potências democráticas, como a Austrália, a Índia e até o Japão, para garantir a segurança regional.

Para colocar as coisas de forma clara, isso não é suficiente. No âmbito da Convenção da Lei do Mar das Nações Unidas, contrariamente às ilhas naturais, as ilhas construídas pela China – que foram construídas sobre recursos naturais que originalmente não estavam à superfície do mar – não existe soberania sobre as 12 milhas náuticas na área em volta. No entanto, só há pouco tempo os EUA enviaram um barco de guerra até doze milhas de uma ilha artificial. E, mesmo aí, foi apenas uma passagem inofensiva, que um porta-voz chinês diminuiu dizendo que se tratou de um "espectáculo político". Os EUA não desafiaram os chineses directamente, ou exigiram que o país trave o seu programa de criação de ilhas.

De facto, ainda que a China persista com as suas drenagens rápidas, que já criaram mais de 1.200 hectares de terra artificial, as autoridades oficiais norte-americanas insistem que o tema do Mar do Sul da China não deve afectar as relações sino-americanas. Esta abordagem ineficaz à emergente hegemonia chinesa no Mar do Sul da China aumentou os receios dos países mais pequenos da região. Eles sabem que quando duas grandes potências guerreiam entre si, por norma, são países como os deles que saem a perder.

Alguns já perderam, efectivamente. Em 2012, a China tomou posse do disputado recife de Scarborough, localizado na zona económica exclusiva das Filipinas. Os EUA que tinham acabado de chegar a acordo para que os barcos de guerra chineses e filipinos abandonassem a área, não fizeram nada, apesar do tratado de mútua defesa com as Filipinas.

Mas os países mais pequenos da Ásia não são os únicos que devem ficar preocupados. Dada a importância estratégica do Mar do Sul da China, a instabilidade na zona ameaça desestabilizar toda a região. Mais, se a China for avante com as suas intenções, tornar-se-á mais assertiva no Oceano Índico e no Leste do Pacífico. Talvez mais importante ainda, se o "bullying" chinês permite ao país ignorar as regras e normas internacionais, cria-se um perigoso precedente. Qualquer um se consegue lembrar de outros países que certamente se aproveitariam disso.

Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa de Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim. É autor de nove livros incluindo "Asian Juggernaut", "Water: Asia’s New Battleground", e " Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis".

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Inês F. Alves

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