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Opinião
12 de Agosto de 2014 às 11:09

Um novo mundo dos serviços de saúde

Os sistemas tradicionais de cuidados de saúde estão em apuros. Na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os hospitais e clínicas dispendiosos dominam os serviços de saúde e representam 97% dos gastos em cuidados de saúde nos Estados Unidos. Estes sistemas enfrentam problemas constantes, devido às condicionantes dos custos, à exigência de maior qualidade por parte do público e às expectativas exageradas.

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Mas há um sistema diferente, amplamente praticado nos países mais pobres, que não pode dar-se ao luxo de ter hospitais ao estilo ocidental e que está centrado nos cuidados de saúde baseados na comunidade. Precisamos de ambas as abordagens; e precisamos que elas funcionem em conjunto. Com efeito, o crescente fosso entre a promessa e a realidade dos cuidados de saúde criou margem – tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento – para a entrada de novos intervenientes que estejam mais preocupados com o comportamento social do que com a biologia.

 

No seu artigo de referência, de 1996, publicado na Harvard Business Review, W. Brian Arthur identificou as importantes distinções entre um sistema de cuidados de saúde definido pelo planeamento, hierarquia e controlo e um outro tipo de sistema caracterizado pela observação, posicionamento e organizações pouco hierarquizadas. O primeiro tipo de sistema, defendeu Arthur, preocupa-se com materiais, processamento e optimização. Está essencialmente focalizado no acesso aos cuidados de saúde e por norma depara-se com rendimentos decrescentes.

 

Em contrapartida, o segundo tipo de sistema consiste num mundo interligado de psicologia, cognição e adaptação. Pode aumentar os rendimentos através da sua estrutura ágil e da capacidade para atender a necessidades variadas e determinadas por cada região. Não é motivado pelos interesses de uma indústria específica e complementa – em vez de concorrer com – os sistemas de cuidados de saúde bastante dispendiosos. A sua prioridade é o bem-estar, o comportamento saudável e a forma como as escolhas de saúde são feitas.

 

Esta última abordagem é particularmente relevante em problemas de saúde como as doenças cardíacas, hipertensão e diabetes, que reflectem mais de perto o comportamento individual, o contexto físico e os factores socioeconómicos.

 

Consideremos o caso da diabetes. Algumas grandes companhias farmacêuticas competem por um grupo finito de diabéticos, oferecendo novas formulações, melhorias marginais no controlo do açúcar no sangue, preços competitivos e parcerias estratégicas com seguradoras e prestadoras de cuidados de saúde. Estas empresas incumbentes estão sobretudo preocupadas em defender as suas posições no mercado. As suas actividades não abrangem a ajuda às centenas de milhões de pessoas obesas em risco de ficarem diabéticas, ou às que pouco reagem ao tratamento existente.

 

Mas a chave para viver bem com a diabetes está numa dieta nutritiva, num estilo de vida activo, no apoio social e numa orientação adequada às circunstâncias de cada pessoa. Esta fórmula básica é também o alicerce dos esforços para prevenir o aparecimento da diabetes, bem como da maioria das doenças crónicas. E também beneficia as pessoas saudáveis.

 

Com efeito, os cuidados de saúde tradicionais representam apenas uma pequena parte (talvez 20%) da nossa qualidade de vida e da nossa esperança de vida, ao passo que a parte restante é determinada por comportamentos saudáveis, por factores sociais e económicos e pelo ambiente físico. Lidar com a epidemia mundial das doenças crónicas obriga-nos a ter em atenção esses 80% restantes, que não podem ficar unicamente a cargo das organizações tradicionais de cuidados de saúde.

 

Em vez disso, muitas iniciativas bem sucedidas, criadas a partir de infra-estruturas sociais já existentes, solucionam conhecidos problemas de saúde e chegam mesmo a detectar novos problemas. Entre os exemplos desta abordagem estão as empresas tecnológicas, como a Omada Health, que dá orientações personalizadas sobre saúde, pela Internet, para as pessoas em risco de ficarem diabéticas; as empresas sociais, como o Grameen Bank, que cria sistemas de prestação de cuidados de saúde de base, de baixo custo, com a ajuda das suas redes de microcrédito; e a One Million Community Health Worker Campaign, que ensina cidadãos comuns a prestarem cuidados de saúde nas comunidades onde estão inseridos, com base nas lições aprendidas a partir de modelos similares na Etiópia, Ruanda e outras regiões da África Subsaariana.

 

Estas iniciativas no âmbito dos cuidados de saúde podem ser aceleradas de muitas formas práticas. Para começar, os gastos nacionais em cuidados de saúde, em toda a OCDE, devem deixar de ter um foco quase exclusivo nos cuidados médicos para aceitarem novos operadores que possam trazer melhorias ao sector da saúde. Além disso, estes novos intervenientes devem ter acesso aos dispendiosos dados e infra-estruturas financeiras dos sistemas tradicionais dos cuidados de saúde. Os médicos e as enfermeiras devem ser incentivados a trabalhar com novos profissionais da saúde, de modo a envolverem outras partes interessadas que vêm de fora, como as escolas, empresas do ramo alimentar, instituições financeiras e serviços sociais. Por último, é preciso dar um maior apoio aos grupos comunitários e aos prestadores de cuidados familiares que ajudam as pessoas a esforçar-se por terem uma melhor saúde.

 

As autoridades ocidentais do sector dos cuidados de saúde estão a tomar nota de tudo isto. O Serviço Nacional de Saúde britânico no País de Gales, por exemplo, está a experimentar aplicar práticas comunitárias semelhantes às que se usam no Brasil. A cidade de Nova Iorque, inspirada pelas redes de saúde africanas, está a alagar as suas redes comunitárias de prestação de cuidados de saúde, de modo a interligar os desarticulados serviços da cidade.

 

De facto, a promessa de cuidados de saúde tradicionais será sempre apelativa desde que o progresso tecnológico continue a melhorar as infra-estruturas e a prestação dos serviços de saúde. Mesmo assim, há muito a aprender com uma nova geração de especialistas da área da saúde que compreendem a forma como as pessoas tomam decisões, a forma como a acção colectiva cria um ambiente mais saudável e a forma como a boa saúde é o caminho para uma vida melhor.

 

Em última análise, o novo mundo dos cuidados de saúde tem um potencial ilimitado, pois a sua fronteira é onde vivemos, trabalhamos e convivemos, o que faz com que cada um de nós seja um inovador e um especialista nos cuidados de saúde. Em última análise, a batalha contra as doenças crónicas será ganha ou perdida em casa. 

 

Prabhjot Singh, professor de Assuntos Internacionais na Universidade de Columbia, é director de Systems Design no Earth Institute e presidente do One Million Community Health Worker Campaign na África Subsaariana.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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