Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
28 de Março de 2017 às 14:00

Um passo atrás nos primeiros dias de Trump

Trump fez algumas escolhas excelentes para o seu Governo, incluindo três pessoas que conheço bem: o secretário da Defesa James Mattis, o secretário de Estado Rex Tillerson e a secretária dos Transportes Elaine Chao.

  • ...

As primeiras semanas da presidência de Donald Trump foram aquilo que parecia ser um ano de actividade e de rancor. Os órgãos de comunicação social norte-americanos "só falam de Trump, o tempo todo" – e têm tido muito combustível. Nos movimentos iniciais de Trump para "abalar" Washington DC, incluindo a proibição de fazer lóbi durante cinco anos e a aprovação de projectos que o presidente Barack Obama tinha bloqueado, o presidente cometeu alguns erros sérios e evitáveis.

 

Trump está longe de ser o primeiro presidente a chegar à Casa Branca com o objectivo de abanar as coisas. O presidente Jimmy Carter tentou, mas entrou imediatamente em conflito com a liderança do Congresso que era detida pelo seu próprio partido – e depois teve que lutar para conseguir alcançar qualquer coisa. Por exemplo, o Congresso transformou a sua proposta de cortar os impostos sobre os dividendos numa proposta sobre os ganhos de capital.

 

O sucessor de Carter, Ronald Reagan, foi mais bem sucedido no que diz respeito à aprovação de reformas que cortavam os impostos, bem como em fomentar a escalada militar que ajudou a vencer a Guerra Fria. Mas Reagan foi incapaz de colocar uma rédea nos gastos.

 

Bill Clinton tentou refazer o sistema de cuidados de saúde dos Estados Unidos. Falhou, o que levou a uma derrota impressionante para os democratas nas eleições intercalares para o Congresso, em 1994. As pessoas reclamam da desordem da administração Trump, mas quando Clinton estava na Casa Branca era tudo tão desorganizado que Clinton teve de ir buscar Leon Panetta para chefe de gabinete e David Gergen para o cargo de consultor para a área da comunicação para endireitar o barco.

 

Agora é a vez de Trump tentar abanar as coisas e está a abordar a questão de uma maneira diferente dos seus antecessores. Mas Trump não pode mudar as regras do jogo sozinho; tem de trabalhar dentro das limitações que existem nas muitas instituições mediadoras do governo norte-americano e dentro do forte sistema de controlos e equilíbrios.

 

Muitas das prioridades políticas de Trump – incluindo a reforma fiscal, alguma desregulação, aumento de militares, gastos com infra-estruturas e a revogação e substituição do Affordable Care Act – vão exigir legislação. Isso significa criar coligações no Congresso que possam vencer. Digamos que, muitos do que apoiam uma redução dos impostos e desregulação vão opor-se a um aumento da despesa e vão exigir uma reforma dos programas sociais.

 

Trump vai também ter de lidar com tribunais que já decidiram contra uma das suas primeiras ordens executivas, que previa a proibição da entrada nos Estados Unidos de pessoas oriundas de sete países de maioria muçulmana. Mas a reprimenda de Trump aos tribunais e aos juízes que derrubaram a sua proibição não foi nada comparado com o ataque de Obama ao Supremo Tribunal durante o seu discurso do Estado da União, em 2010. E nenhuma das duas situações representa "uma ameaça à democracia" quando comparada com a proposta do presidente Franklin D. Roosevelt de acrescentar poderes judiciais ao Supremo Tribunal, algo que iria apoiar o seu programa económico.

 

O tempo irá dizer se Trump e a sua equipa desenvolveram a capacidade e a paciência para efectivamente trabalharem dentro dos limites do sistema ao qual se opõem, aceitando compromissos para que possam alcançar o sucesso. (A última grande reforma fiscal demorou dois anos). Carter não conseguiu e falhou; Reagan conseguiu frequentemente e foi bem-sucedido. Clinton também acabou por alcançar o sucesso, cooperando com os republicanos presentes no Congresso para reformar a Segurança Social e para equilibrar o orçamento.

 

Contudo, em termos de política externa, o presidente dos Estados Unidos tem uma autoridade significativa. Trump confundiu alguns dos aliados norte-americanos, tendo mesmo levantado dúvidas em relação ao compromisso dos EUA com a NATO. Recentemente, o seu gabinete tentou tranquilizar esses aliados, enquanto insiste que estes têm de abordar a questão dos défices ao nível dos gastos com a defesa. Em qualquer caso, os primeiros encontros de Trump com os líderes do Reino Unido, Japão, Canadá e Israel foram positivos. 

 

Em termos comerciais, as declarações de Trump sempre foram, de uma certa forma, desconcertantes. Além de deixar a Parceria Trans-Pacífico, Trump sugeriu renegociar o Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA) e ameaçou impor elevadas tarifas às importações chinesas. Mas o Congresso pode pressionar Trump para que tenha uma abordagem mais moderada. Recorde-se que Obama também fez campanha contra o NAFTA.

 

Para ser claro, Trump está certo em tentar encontrar melhores mecanismos de ajustamento para os operários norte-americanos, que foram há muito deixados para trás. Mas o comércio, em jeito de balanço, trouxe muitos mais benefícios do que malefícios. E a grande maioria dos empregos na produção que foram perdidos no mundo desenvolvido deveu-se aos avanços tecnológicos como a automatização.

 

Felizmente, Trump tem uma equipa forte para o ajudar a navegar nas questões complexas de política externa. Trump fez algumas escolhas excelentes para o seu Governo, incluindo três pessoas que conheço bem: o secretário da Defesa James Mattis, o secretário de Estado Rex Tillerson e a secretária dos Transportes Elaine Chao. São pessoas inteligentes, muito integras, com fortes competências interpessoais e com uma excelente capacidade de gestão; vão dizer a Trump o que ele precisa de ouvir. A nomeação de Trump para o Supremo Tribunal, Neil Gorsuch, tem sido amplamente elogiada.

 

Até aqui, os erros de Trump parecem-me erros de principiante. A ordem executiva, que proibia a entrada de certas pessoas no país, foi apressada sem que esta tenha sido revista pelos departamentos relevantes. O seu primeiro conselheiro para a segurança nacional, Michael Flynn, teve de demitir-se depois de ter sido conhecido que Flynn enganou o vice-presidente Mike Pence em relação a um debate com o embaixador russo, sobre as sanções norte-americanas, antes da tomada de posse. Trump teve uma contenda com a comunidade de serviços de informação sobre uma (ilegal) fuga de informação.

 

Trump faz declarações falsas e hiperbólicas com mais frequência do que os seus antecessores. Tais declarações podem semear a incerteza e a divisão. As suas propostas políticas e decisões iniciais podem reflectir os seus objectivos mas podem também ser apresentadas como uma táctica de negociação ou uma estratégia de media. Em qualquer caso, uma comunicação mais clara beneficiaria Trump e o público.

 

Alguns democratas estão agora tão furiosos que exigem "uma resistência total". Aqui na Califórnia, alguns estão histéricos a pedir que todo o Estado se torne num santuário para a imigração; havendo mesmo uma discussão sobre secessão. Da sua parte, os senadores democratas trabalharam duramente para atrasar a aprovação das nomeações para o Governo de Trump, prejudicando ainda mais o funcionamento da administração. Centenas de posições de topo ainda não têm nomeações.

 

Trump, como todos os presidentes, quer vencer. Sabe que tem de apresentar os resultados que mostrem melhorias nas vidas das pessoas. Felizmente para ele, as expectativas que ele vá dar um alívio face ao estrangulamento regulatório de Obama e face aos elevados impostos sobre o capital têm, por agora, impulsionado os mercados accionistas e os democratas parecem estar a destruir-se a si mesmos.

 

Se Trump quer tirar total partido destas tendências para avançar com a sua agenda de reformas, tem de dar ao seu Governo um papel mais relevante nas políticas e melhorar a coordenação com e entre os funcionários da Casa Branca. E Trump vai precisar de voltar a sua atenção da controvérsia para o desenvolvimento das políticas. De outra forma, mesmos os seus apoiantes vão começar a ficar cansados de Trump.

 

Michael J. Boskin é professor de Economia na Universidade de Stanford e membro senior da Hoover Institution. Foi chairman do conselho de assessores económicos de George H. W. Bush de 1989 a 1993.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução:Ana Laranjeiro

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio