Opinião
Resoluções de Ano Novo da Ásia Oriental
Se a Terceira Guerra Mundial alguma vez acontecer, as suas origens não estarão no Médio Oriente, Sul da Ásia, ou na Europa de Leste. É na Ásia Oriental - onde os interesses estratégicos da China, Estados Unidos, e seus respectivos parceiros se cruzam - que os riscos geopolíticos, tensões diplomáticas, e potencial para uma explosão mundial são mais elevados.
Como é do interesse de todos evitar um conflito declarado, vemos apertos de mão glaciares como aquele que aconteceu entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, em Pequim, no mês passado. Mas, para que haja uma verdadeira paz duradoura, os líderes da região precisam de trabalhar mais e com mais coragem. Cada um deles poderá adoptar iniciativas capazes de mudar o jogo, se demonstrarem capacidades de um verdadeiro estadista.
Aqui estão, então, as resoluções de Ano Novo que – num espírito de supremo, mas talvez não totalmente ingénuo, optimismo – gostaria de ver por parte dos líderes da Ásia Oriental.
Xi Jinping: "Vou deixar claro que todas as reivindicações territoriais que temos no mar da China Meridional são baseadas apenas em afirmações razoáveis de soberania sobre determinados territórios e os direitos que os acompanham no âmbito da Convenção sobre o Direito do Mar. Vou deixar de falar sobre as nossas 'águas históricas' e vou pedir a eliminação da ‘linha de nove pontos' no mapa que figura nos passaportes chineses.
"Depois de ter mostrado com clareza a nossa autoridade em Hong Kong, vou encontrar uma maneira de permitir que os seus habitantes tenham o dirigente local que desejam. Um pouco de flexibilidade a esse respeito seria também uma mensagem útil para aqueles que estão a ficar inquietos no Taiwan, de que a China pode acomodar a diferença.
"Igualmente nesse espírito, vou receber o Dalai Lama em Pequim e negociar com sua equipa de dirigentes um plano de autonomia cultural e autogoverno limitado, satisfazendo, de uma vez por todas, as aspirações razoáveis do povo tibetano."
Shinzo Abe: "Vou convidar os dirigentes dos países participantes nas conversações multilaterais (six-party talks) para virem a Hiroshima ou Nagasaki no próximo mês de Agosto, no aniversário do lançamento da bomba atómica, para que dêem início a negociações sérias sobre uma zona desnuclearizada no nordeste da Ásia, que abarcará o Japão e as duas Coreias e estará garantida pelos Estados Unidos, China e Rússia.
"E farei de 2015 o ano em que as reclamações históricas entre nós e os nossos vizinhos serão enterradas para sempre. Lembrando Willy Brandt, que caiu de joelhos diante do Memorial aos Heróis do Gueto de Varsóvia, em 1970, vou comemorar o 70º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial visitando Nanjing e reconhecendo a responsabilidade do Japão no terrível massacre de 1937-1938.
"Além disso, vou fazer tudo o que for possível para eliminar do Museu Yushukan, situado dentro do Santuário Yasukuni, todas as exposições que neguem, discutam ou sejam insensíveis à responsabilidade do Japão no lançamento de uma guerra agressiva e nos crimes atrozes praticados nas décadas de 1930 e 1940. Vou começar retirando do seu pedestal a locomotiva a vapor que percorreu a "estrada da morte" entre a Tailândia e a Birmânia, cuja exibição desonra os mais de 100 mil prisioneiros de guerra e trabalhadores forçados que morreram de doenças, desnutrição ou maus-tratos na sua construção."
Presidente sul-coreano Park Geun-hye: "Removerei as sanções do "24 de Maio" que aplicámos à Coreia do Norte depois das suas provocações militares em 2010, porque estão a impossibilitar quase todas as medidas para criar a confiança que continuo a dizer ser necessária.
"Naturalmente, a Coreia do Norte deve continuar a ser denunciada nas Nações Unidas pelas suas violações dos direitos humanos e má conduta, em termos nucleares. Mas os Estados párias nunca se comportam de forma responsável, e nenhum Estado tem um papel maior do que o nosso, na tentativa de persuadir o regime de Kim Jong-un a voltar à normalidade. Este papel é politicamente difícil para mim. Mas se não o fizer, estarei no lado errado da História."
Kim Jong-un da Coreia do Norte: "Vou surpreender tudo e todos paralisando os nossos esforços para desenvolver armas e mísseis nucleares, e vou provar a minha seriedade abrindo as nossas centrais de enriquecimento de urânio para que sejam inspeccionadas. Assim, ninguém terá motivos credíveis para atrasar as negociações multilaterais (six-party talks).
"Desde a década de 1990 que sabemos que a melhor garantia de segurança para o nosso regime é um acordo de desnuclearização. Posso ter má reputação, mas não sou louco. A China deixou de estar interessada em nós; o meu povo sabe demasiado sobre o resto do mundo; e toda a gente sabe que utilizar o nosso punhado de armas nucleares seria suicída. É hora de chegar a um acordo."
Presidente dos EUA, Barack Obama: "Direi publicamente o que Bill Clinton dizia em privado há uma década. Pode ser doloroso para muitos americanos ouvir, e não vai impressionar os meus adversários. Mas se for credível, contribuirá mais para conquistar a amizade dos Estados Unidos, respeito e, em última instância, segurança na Ásia Oriental e em todo o mundo do que o nosso programa de um bilião de dólares para a modernização das armas nucleares ou todos os impraticáveis e contraproducentes sistemas de defesa em que continuamos a gastar dinheiro.
"É simplesmente isto: Os EUA não devem recorrer ao seu imenso poder económico e militar para tentar ser os mais fortes do mundo. Pelo contrário, devemos usar esse poder para criar um mundo em que possamos viver de forma confortável, quando deixarmos de ser os mais fortes do mundo."
A ideia de que qualquer uma destas resoluções vai tornar-s realidade é, provavelmente, fantasiosa. E todos nós sabemos que, mesmo que aconteçam, as resoluções de Ano Novo raramente são mantidas. Mas, se qualquer uma das resoluções da minha lista acontecesse, o resultado seria muito importante. Todas juntas, seriam transformadoras. Devemos esperar que sejam feitas e mantidas, e ser persistentes até que assim seja.
Gareth Evans, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros australiano (1988-1996) e ex-presidente do Grupo de Crise Internacional (2000-2009), é reitor da Universidade Nacional da Austrália.
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Tradução: Rita Faria