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08 de Dezembro de 2015 às 20:30

Os novos piratas da Somália

Um novo relatório do grupo de segurança de pescadores, chamado de Protecção para os Pescadores Somalis, revelou novos dados de satélite que mostram que novos barcos não regulados estão a apanhar três vezes mais peixe do que as embarcações somalis.

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A Somália foi abençoada com a maior linha costeira da África continental. O nosso mar é rico e é um dos mais produtivos do mundo, contendo cardumes de atum, espadim azul, douradas e sardinhas. Contudo, por mais de 30 anos esta abundante vida marinha foi a causa de conflitos na medida em que trouxe barcos de pesca estrangeiros ilegais, que não estão regulados nem documentados que roubam as nossas águas – saqueando o nosso peixe e vendendo-o em portos distantes.

 

Apenas há alguns anos, a invasão desses barcos ilegais, não declarados e não regulados criaram uma onda de pirataria na Somália que custou à industrial naval milhares de milhões de dólares em perdas de receitas. À medida que os barcos estrangeiros ilegais foram chegando à nossa costa, os piratas somalis rapidamente mudaram o seu foco para embarcações mais rentáveis, como navios de carga e petroleiros. E agora que a pirataria foi quase eliminada, há cada vez mais provas que os barcos de pesca estrangeiros regressaram para saquear as nossas águas.

 

Um novo relatório do grupo de segurança de pescadores, chamado de Protecção para os Pescadores Somalis, revelou novos dados de satélite que mostram que novos barcos não regulados estão a apanhar três vezes mais peixe do que as embarcações somalis. Estão a atacar algum do peixe com valor mais elevado das nossas águas, fazendo com que os pescadores somalis concorram entre si por peixe com um valor mais baixo.

 

O relatório mostra que para piorar ainda mais as coisas, os barcos estrangeiros contribuíram para uma sobre exploração das populações de peixe-espada, pargos, espadarte e tubarões. Os barcos de arrasto estrangeiros pescaram de forma irresponsável e actuaram com impunidade, arrastando fortes redes, arrasando o fundo do mar e danificando uns surpreendentes 120 mil quilómetros quadrados de habitat marinho importante. Os danos são tão grandes que mesmo que se colocasse um ponto final na pesca por arrasto hoje, esta zona precisaria de muitos anos para recuperar.

 

A pilhagem do nosso ecossistema marítimo está a ocorrer mesmo quando a Somália realizou grandes avanços na gestão das águas nos últimos 18 meses. Em Junho de 2014, o meu Governo declarou as 200 milhas náuticas de Zona Económica Exclusiva em linha com a Convenção das Leis do Mar das Nações Unidas. Em Dezembro de 2014 aprovamos também a lei das pescas que proíbe expressamente a pesca por arrasto. Esta legislação apela a melhorias na monitorização do desembarque do pescado, um ecossistema baseado numa abordagem da gestão pesqueira pelo qual a área deveria ser gerida holisticamente e a protecção de espécies em perigo ou ameaçadas.  

 

Mas, apesar de todos os progressos ao nível do fortalecimento da gestão pesqueira doméstica, falta-nos a capacidade para policiar as nossas vastas águas. A comunidade internacional pode fazer uma diferença significativa nesta área, ajudando o meu Governo quer a monitorizar e a controlar a Zona Económica Exclusiva, quer através da partilha de informações fundamentais recolhidas pelas patrulhas navais internacionais.

 

De acordo com o relatório Protecção para os Pescadores Somalis, eliminar a pesca não regulada iria permitir à Somália começar a licenciar e a vender atum valioso e sustentável, gerando mais de 17 milhões de dólares por ano. Estes fundos poderiam depois ser reinvestidos em melhores infra-estruturas – como construção de portos, melhorias ao nível da refrigeração e estruturas modernas de processamento – para apoiar as nossas frotas pesqueiras artesanais e industriais.

 

A eliminação da pesca não regulada iria também permitir uma recuperação da sobre-exploração de espécies e ajudaria ainda a construir uma pesca doméstica próspera, em conjunto com um aumento do apoio governamental e financiamento para a recolha de dados e gestão de recursos. O relatório mostra que a pesca sustentável poderia gerar maiores quantidades de recursos que na actualidade. De facto, cerca de metade das nossas pescarias actuais estão exploradas em níveis sustentáveis. Mas precisamos de mais investimento em boas infra-estruturas para que a nossa indústria realize todo o seu potencial.

 

Pescar nas águas somalis não pode continuar a ser grátis para todos, local onde embarcações estrangeiras explorar o ecossistema de uma forma insustentável. Apelo à comunidade internacional para colaborar com o meu Governo para assegurar que a pesca não regulada nas águas somalis pare de uma vez.

 

Fazer isso iria melhorar a nossa segurança marítima e promover uma indústria pesqueira vibrante que beneficie e contribua para o sustento de todos os somalis. Uma indústria pesqueira sustentável iria ajudar-nos a construir uma Somália mais estável e próspera. Dado o grande potencial do nosso país e a sua localização estratégica, esse é um resultado que todos deviam estar dispostos a apoiar.

 

Hassan Sheikh Mohamud é Presidente da Somália.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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