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02 de Janeiro de 2015 às 12:02

O síndrome de Tartufo de François Hollande

Na sua comédia clássica "Tartufo ou o Impostor", Molière mostra que permitir que seja o orgulho, em vez da razão, a ditar as nossoas acções, acaba sempre mal. O presidente francês François Hollande parece sofrer da doença de Tartufo, fazendo repetidamente promessas políticas que não pode honrar, em parte devido a factores que não pode controlar – a saber, a União Monetária Europeia (UME) – mas, sobretudo, porque lhe falta determinação.

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Para França, as consequências das falhas de Hollande serão muito mais dramáticas do que a sua queda política. De facto, o país poderá enfrentar uma catástrofe, na medida em que as acções de Hollande arriscam afundar a economia numa estagnação sustentada e levar a população francesa, cada vez mais irritada, a eleger como sua sucessora Marine Le Pen, do partido de exterma-direita Frente Nacional.

 

As políticas económicas de França são insustentáveis, o que significa que os seus factores determinantes - a UME e a abordagem de Hollande - devem mudar radicalmente. Até agora, não parece que isso esteja a acontecer.

 

No início do mês passado, um estudo de opinião mostrou que o índice de aprovação de Hollande caiu de 27% para 12% - o pior resultado de um presidente francês na história da sondagem moderna. No mesmo dia, Hollande deu uma longa entrevista, transmitida na televisão, na qual reconheceu o fracasso com novas promessas.

 

Consideremos o desemprego que, em Setembro, foi de 10,5%, em comparação com apenas 5% na Alemanha. Na entrevista, Hollande reconheceu que, apesar da sua promessa, a inversão da tendência negativa do emprego "não aconteceu" este ano. (Hollande não mencionou que, no ano passado, fixou o mesmo objectivo).

 

O problema do desemprego em França é o resultado de regulações laborais monstruosas (o Código do Trabalho tem 3.648 páginas) e, acima de tudo, de uma carga fiscal asfixiante sobre o trabalho. A principal promessa de Hollande - não impor novos impostos no próximo ano - pode ter sido um reconhecimento implícito disso mesmo.

 

Entretanto, contudo, haverá um aumento do imposto especial sobre o consumo de combustíveis, e um acréscimo de 20% do imposto sobre as propriedades a aplicar nas segundas residências desocupadas em áreas densamente povoadas. Como é provável que estas subidas de impostos sejam aprovadas até ao final do ano, serão as últimas – se Hollande cumprir a sua promessa.

 

Dado o histórico de Hollande - a carga fiscal aumentou em 40 mil milhões de euros nos últimos dois anos – não é provável que o faça. Na verdade, a própria equipa de Hollande já está a recuar, com o ministro do Orçamento, Christian Eckert, a afirmar que não é possível descartar mais aumentos de impostos: "Não se pode considerar inalterável uma situação que depende de um contexto internacional que nós não controlamos".

 

Naturalmente, esse "contexto internacional" é a UME, que coloca constrangimentos externos consideráveis sobre a política francesa. Mesmo sem essas limitações, é prudente para os responsáveis políticos manterem as suas opções em aberto.

 

De qualquer forma, os criadores do euro equivocaram-se ao pensar que a moeda comum iria promover a convergência económica e política entre os seus membros. Ao excluir a possibilidade de ajustar a taxa de câmbio para abordar as diferenças de competitividade, o euro tem forçado os países menos competitivos a aplicar uma dolorosa e lenta "desvalorização interna" (limitando os salários reais). Isso tem pressionado a procura e os preços, fazendo com que as disparidades entre o desempenho económico dos países membros da Zona Euro aumentassem. França tem agora um défice em conta corrente de 2% do PIB, em comparação com o excedente da Alemanha de 8% do PIB.

 

O impacto deflacionário da desvalorização interna é agravado pela regra, reforçada pelo pacto orçamental de 2012, que diz que os países da Zona Euro são totalmente responsáveis pelas suas próprias dívidas e, portanto, devem adoptar uma disciplina orçamental rigorosa. Com a procura espremida, nem mesmo a queda dos salários pode gerar um nível de emprego adequado.

 

A única solução, como afirmam muitos adeptos do euro, é a união política plena, que permitiria transferências fiscais de países mais competitivos da Zona Euro para os seus homólogos mais fracos. Mas o sul de Itália, que não usou as transferências fiscais do norte de que dependia há muito para transformar a sua economia ou aumentar a produtividade, demonstra o impacto reduzido que esta abordagem pode ter. A noção de que uma união fiscal da Zona Euro poderia fazer melhor é uma fantasia perigosa.

 

Uma outra abordagem possível seria as economias fortes da Zona Euro, especialmente a Alemanha, apoiarem as reformas estruturais para a melhoria da produtividade dos países menos competitivos, como França e Itália. Isto foi, provavelmente, o que a chanceler alemã, Angela Merkel, quis dizer quando referiu, em discussões privadas da reunião do Conselho Europeu de Dezembro passado, que, embora a Alemanha "não possa permitir transferências para toda a Europa", pode "ajudar a pagar as contas dos médicos". Mas, mais tarde ou mais cedo, as economias mais fracas optariam por abandonar tais reformas, recuperando a sua soberania monetária como uma condição necessária - mas longe de ser suficiente - para evitar o colapso económico e social.

 

Entretanto, Hollande continuará a fazer o papel de Tartufo. Bloqueados pela moeda única, a impotência dos políticos franceses para adoptar medidas reais torna inúteis as suas promessas. Como resultado, França pode esperar protestos populares, e um aumento ainda maior do apoio aos partidos mais extremistas - acima de tudo, à Frente Nacional de Le Pen.

 

Brigitte Granville é professor de Economia Internacional e Economia Política na Universidade Londres e autora do livro "Remembering Inflation". Hans-Olaf Henkel, antigo presidente da Federação das Indústrias Alemãs, é professor honorário de Economia na Universidade de Mannheim.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria 

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