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27 de Março de 2014 às 14:05

Provocar o urso da Zona Euro

O senso comum diz que, quando confrontados com um urso, devemos ficar imóveis até que ele perca o interesse (ou assuma que estamos mortos) e nos deixe sozinhos. Mas há diferentes espécies de ursos, umas mais propensas que outras a serem dissuadidas por atitudes intencionais e corajosas. A questão é como determinar a melhor abordagem quando temos o terror encarnado a olhar-nos nos olhos.

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Este cenário é útil para pensar sobre a Zona Euro numa altura em que tenta sobreviver à sua próxima ronda de testes - começando com as eleições para o Parlamento Europeu, em Maio. Pode continuar simplesmente imóvel, à espera que não surjam novos choques que diminuam a sua saúde económica e ameacem a sua sobrevivência?

 

Alguns consideram que a abordagem optimista do “permanecer imóvel” é adequada para garantir que a economia da Zona Euro faz mais do que evitar o declínio. Dessa perspectiva, a decisão da Alemanha, ao longo dos últimos três anos, de permitir transferências apenas de dimensão suficiente para evitar o colapso financeiro será, de alguma forma, o bastante para permitir que a Zona Euro comece, finalmente, a recuperar de meia década de recessão e estagnação.

 

Mas o facto é que essas transferências - ou seja, os programas de resgate financiados pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade e o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu, mais conhecido pela sigla inglesa OMT – não podem fazer muito mais do que evitar um colapso. Não podem impulsionar a produção económica, porque são condicionais à busca contínua de desvalorização interna dos países beneficiários (redução dos salários e dos preços).

 

Revitalizar a economia da Zona Euro requer um esforço mais radical para resolver as crises da dívida soberana e bancária, que estão interligadas. Especificamente, exige a mutualização da dívida soberana através de ‘eurobonds’, e assim, a eliminação da soberania fiscal dos países da Zona Euro, e uma união bancária de pleno direito, com autoridade de recapitalização e um fundo de garantia de depósitos partilhado – o que está muito longe do que foi acordado.

 

Se os líderes europeus continuarem a optar por paliativos leves em vez de tácticas ousadas, o melhor cenário é uma recuperação sem brilho, com o PIB a crescer a uma taxa anual de 1 ou 2%. Infelizmente, este cenário não é suficiente para prevenir futuros incumprimentos de dívida soberana em países como Itália, Espanha e, eventualmente, até mesmo França. Por outras palavras, em algum momento, o “permanecer imóvel” deixará de ser opção.

 

Na verdade, os líderes da Zona Euro podem ser chamados a agir mais cedo. Embora a perspectiva do programa de compra de dívida esteja a manter os choques financeiros à distância, pelo menos por agora, um choque político parece cada vez mais provável, com os eleitores a reagir contra as políticas de desvalorização interna que estão a alimentar elevados níveis de desemprego e a minar os padrões de vida. As próximas eleições para o Parlamento Europeu poderão desencadear esse choque.

 

A classe política europeia está empenhada na desvalorização interna em todas as economias em dificuldades da Zona Euro. A abordagem alternativa - o desmantelamento da Zona Euro para permitir desvalorizações externas - tornou-se assim o “recreio” dos partidos políticos até então marginais, que estão agora cada vez mais bem posicionados nas sondagens.

 

Em França, os grupos em causa - Frente Nacional e União da Esquerda - representam os extremos políticos. Em Itália, pode surgir uma força anti-regime ideologicamente mais neutra, com um foco anti-euro muito mais acentuado do que o movimento populista de Beppe Grillo, o “Movimento Cinco Estrelas”, que surgiu no ano passado e se tornou a terceira maior força política do país. Com estes partidos a ganharem força, as hipóteses de sobrevivência do euro diminuem.

 

A situação política da Europa resulta de uma combinação de medo irracional e vã ambição. Isto é particularmente evidente em França, onde a união monetária tem sido vista muitas vezes como uma ferramenta da Alemanha para projectar a sua força económica no mundo. Tendo em conta que o desmantelamento da Zona Euro significaria o fim da criação francesa que é o projecto europeu, e o enfraquecimento da capacidade da Europa para ombrear com potências mundiais como os Estados Unidos e a China, a "anti-união monetária" é impensável.

 

A ambição global de França torna-se evidente sempre que os responsáveis dos principais partidos políticos discutem o euro. Por exemplo, em 2011, Edmond Alphandéry, um ex-ministro da Economia, declarou que um Estado-membro sair do euro era tão provável como o Texas ou a Califórnia abandonarem o dólar. Aqui, em plena exibição, está o pensamento positivo que levou à existência da moeda única europeia: os seus arquitectos franceses sonhavam com uma Europa que poderia igualar os Estados Unidos. Isso sempre foi uma ambição ilusória, mas que continua a prejudicar as avaliações dos líderes europeus.

 

Os defensores da moeda única estão certos sobre uma coisa: foram as motivações políticas que sempre sustentaram a criação de uniões monetárias, desde a América Latina no período de 1865-1927, à Irlanda e Grã-Bretanha entre 1922 e 1979. Mas esquecem-se de um ponto crucial: a política também é a razão para a dissolução destas uniões. Quando os custos económicos e as divergências ganham a dimensão de ameaça, a vontade política de fazer o que for preciso para garantir a sobrevivência da moeda comum entra em colapso.

 

A reacção do eleitorado em relação ao euro pode muito bem forçar a Zona Euro a parar de mentir e a agir de forma eficaz. A questão é se isso significa que alguns, ou todos os países da Zona Euro devem seguir caminhos separados.

 

Brigitte Granville é professora de Economia Internacional e Política Económica da Queen Mary, Universidade de Londres, e autora do livro "Remembering Inflation".

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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