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02 de Abril de 2015 às 20:00

O problema de Putin com o gás

Os observadores da Rússia estão certos ao centrar as atenções no mais recente e frágil cessar-fogo na Ucrânia, para tentar discernir as intenções de Vladimir Putin relativamente àquele país. Mas seria aconselhável não negligenciar outro problema que se está a revelar – e que terá consequência profundas, no longo-prazo, para a Europa e para a capacidade de Putin exercer pressão sobre o continente.

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Em Dezembro último, a gigante russa do sector do gás, Gazprom, e uma empresa turca de gasodutos assinaram um memorando de entendimento relativo à construção de um gasoduto subaquático entre a Rússia e a Turquia através do Mar Negro. Este novo "Turquish Stream" é uma alternativa ao gasoduto entre a Rússia e a Bulgária, também através do Mar Negro, "South Stream" – um projecto abandonado pelo Kremlin em Dezembro, em resposta às sanções impostas pela União Europeia (UE) depois da invasão russa da Ucrânia e anexação da Crimeia.

 

O projecto South Stream falhou o cumprimento das directivas europeias sobre a concorrência e energia, e o anúncio do projecto de 12 mil milhões de dólares Turkish Stream deverá reforçar a reputação russa enquanto parceiro não confiável, acelerando a busca europeia de fontes de abastecimento alternativas. Na verdade, ao arriscar o seu mercado mais lucrativo, Putin demonstra uma quase suicida desconsideração pela economia russa – aparentemente por nenhuma outra razão que não a de cimentar a inimizade com a Ucrânia.

 

O Kremlin pretende retirar a Ucrânia de um sistema de abastecimento de gás colocado em prática desde os anos 1980, passando a fornecer através de uma nova e nunca testada rede para um mercado que pode até nem existir. Em Janeiro, a Gazprom anunciou a sua intenção de cessar o fornecimento através da Ucrânia quando os contractos com a estatal Naftogaz terminarem em 2019. O gás proveniente do Turkish Stream será entregue na fronteira grega numa base de "largar ou pegar". A Gazprom aguarda permissão para "brevemente" realizar trabalhos de projecção e estudo, com a primeira entrega agendada para 2017.

 

O comportamento errático da Gazprom não é uma questão de pequena preocupação para a Europa. O continente necessita da Rússia para cerca de 30% do gás-natural consumido, 80% do qual transportado através da Ucrânia. E o continente já foi deixado à mercê do frio numa ocasião. Em Janeiro de 2009, a Gazprom ordenou cortes no fornecimento através da Ucrânia, provocando severas carências em seis países do leste e sudeste europeus.

 

Em finais de 2104, a Rússia cortou completamente o fornecimento através da Ucrânia, sinalizando novamente a sua capacidade para usar, rapidamente, o abastecimento de gás como arma nas relações internacionais. A UE apressou-se a chegar a um acordo que alguns argumentam ter sido contrário aos interesses da Ucrânia.

 

Contudo, contrariamente àquilo em que Putin parece acreditar, nem a Europa nem a Ucrânia parecem ser quem mais perde no esforço russo de redireccionar as suas exportações de gás. A Gazprom recebe dois terços das suas receitas de moeda-forte da Europa, e um período de menores exportações e de crise económica doméstica não é a melhor altura para jogar com o teu melhor cliente.

 

Na verdade, o mercado europeu já está a afastar-se. As vendas da Gazprom para a Europa caíram 25% entre o terceiro trimestre e o quarto trimestre do ano passado. Esta quebra na procura acontece numa altura em que a Rússia está desesperada por moeda-forte, devido a sanções que a excluem dos mercados internacionais de dívida. As suas maiores empresas enfrentam grandes necessidades de refinanciamento de dívida, a economia encaminha-se para uma profunda recessão e o rublo cai para novos mínimos.

 

Ao redireccionar as suas exportações, a Rússia está, para o efeito, a exigir que a Europa despenda milhares de milhões de euros em novas infra-estruturas para substituir um gasoduto que está em perfeitas condições, somente para satisfazer o desejo de Putin de causar problemas na Ucrânia. Em Janeiro, o CEO da Gazprom, Alexey Miller, afastou imperiosamente as preocupações europeias ao declarar que "nós informámos os nossos parceiros europeus, e agora cabe-lhes a eles instalar a infra-estrutura necessária a partir da fronteira greco-turca".

 

A reacção inicial na Europa foi a de que ou Putin estava a fazer bluff ou que havia perdido o juízo. "A decisão não faz sentido em termos económicos", foi a reacção de Maroš Šefcovic, vice-presidente da Comissão Europeia e responsável pela pasta da união energética. "Nós somos bons clientes. Estamos a pagar muito dinheiro. Pagamos a tempo e estamos a pagar em moeda-forte. Por isso considero que deveríamos ser tratados adequadamente."

 

As políticas erráticas e economicamente irresponsáveis de Putin estão a desperdiçar aquilo que chegou a ser uma posição monopolista da Gazprom no mercado europeu de gás. Claramente, se a Europa tiver de gastar milhares de milhões em gasodutos, será melhor fazê-lo no âmbito de um esforço para diversificar as suas fontes de gás natural em vez de aprofundar a dependência da Rússia. No final de contas, a memória é longa, especialmente em relação a invernos gelados em casas não aquecidas e fábricas encerradas.

 

Quando perguntaram a um dos principais estrategas de Joseph Estaline o porquê de estar disposto a defender uma série de propostas ridículas, ele deu uma resposta que ficou para a história: "Prefiro defender planos irrealistas do que sentar-me [na prisão] por planos realistas". Pode imaginar-se que alguns oficiais da Gazprom estejam a pensar da mesma forma.

 

Nesse caso, eles devem começar a pensar de forma distinta. A Rússia não pode aguentar mais dor e sofrimento económico. Mas será isso que vai acontecer a menos que prevaleçam as cabeças responsáveis.

 

Paul R. Gregory, membro do Hoover Institution e professor no German Institute for Economic Research em Berlim, é professor na Universidade de Houston

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org 

Tradução: David Santiago

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