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Opinião
23 de Agosto de 2015 às 20:00

O governo que a Zona Euro merece

Será que os problemas da Grécia vão destruir a união monetária da Europa, ou revelar a forma como ela deve ser salva? O controverso acordo de resgate - comparado por alguns com o Tratado de Versalhes de 1919, com a Grécia no papel da Alemanha - representa a mais recente reviravolta na saga existencial da Zona Euro.

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O acordo provocou uma divisão no Syriza, partido do governo de esquerda da Grécia; abriu um fosso entre a chanceler alemã Angela Merkel e o seu intransigente ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble; e estimulou um esforço, por parte de França, para se reafirmar dentro do eixo franco-alemão que sempre foi o "motor" da integração europeia.

 

Ao mesmo tempo, muitos dos economistas keynesianos da América do Norte, como os laureados com o prémio Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz, simpatizaram com a posição anti-austeridade da Grécia. Outros economistas, principalmente na Europa, argumentam que a Alemanha deve assumir um papel político condizente com a sua preeminência económica e aceitar os mecanismos de partilha de soberania (e de encargos) para garantir a coesão e a sustentabilidade da união monetária. Humilhar um pequeno país e tornando-o um protectorado virtual não serve os interesses de longo prazo da Europa.

 

No entanto, é isso que está em jogo. A Grécia assinou o acordo depois de enfrentar um convite explícito de Schäuble para deixar a Zona Euro - supostamente de forma temporária - e adoptar uma nova moeda. A postura da Alemanha marcou o primeiro desafio explícito, por parte de uma grande potência europeia, à noção de que a união monetária é irrevogável. Como os franceses - simpatizantes do argumento anti-austeridade e conscientes do seu papel cada vez menor na parceria franco-alemã – notaram rapidamente, a postura alemã também sinalizou uma potencial mudança de uma "Alemanha europeia" para uma "Europa alemã".

 

O facto de as negociações entre a Grécia e os credores terem originado uma desconfiança crescente em relação à competência e intenções do Syriza também não ajudou. Tácticas de negociação tortuosas e irregulares, juntamente com esquemas secretos para preparar - como parte de um "Plano B" - uma saída do euro, minaram a confiabilidade do governo, levando até mesmo Paul Krugman a admitir: "Posso ter sobrestimado a competência do governo grego".

 

No entanto, por mais complicado que seja o jogo da culpa, podem retirar-se algumas lições para orientar a política futura. Quando o mau comportamento orçamental da Grécia, um país que não representa mais do que 2% do PIB da Zona Euro, coloca sérios perigos para a sobrevivência da união monetária, algo está claramente errado. Mas será que a solução está em medidas mais duras - tais como sanções mais pesadas ou até mesmo expulsão - para fazer cumprir as regras da Zona do Euro, ou terão as regras de ser ajustadas para acomodar as diferentes circunstâncias dos seus membros?

 

Até agora, a execução falhou, devido a defeitos nos alicerces da Zona Euro. Em primeiro lugar, os saldos orçamentais e externos devem ser mantidos sob controlo para garantir a estabilidade financeira e sustentar a moeda única. Em segundo lugar, a remoção de desequilíbrios é da responsabilidade dos governos nacionais no contexto de um regime de resgate organizado por autoridades supranacionais - Comissão Europeia e Banco Central Europeu - em cooperação com o Conselho Europeu, que representa os governos nacionais.

A saga grega demonstra que este sistema não consegue controlar os desequilíbrios com rapidez suficiente para afastar as grandes crises. Os desequilíbrios não são exclusivamente o resultado de políticas irresponsáveis. Eles podem reflectir fraquezas mais profundas nas estruturas económicas, tais como a falta de competitividade ou deficiências institucionais. Se a Alemanha insiste na responsabilidade nacional, pode achar que fazer cumprir as regras terá de ser um processo cada vez mais duro, acabando por conduzir a uma agitação social e política que faça desmoronar toda a edificação do euro.  

 

A alternativa é adoptar uma "união de transferências" que garanta um melhor equilíbrio entre solidariedade e responsabilidade. Os Estados Unidos representam uma solução deste tipo, garantindo um padrão integrado de desenvolvimento em todo o país. A Zona Euro deve reforçar as suas estruturas fiscais o suficiente para responder às condições económicas globais, tendo em conta as diferentes circunstâncias de cada país membro. Estas estruturas mais fortes deveriam permitir transferências limitadas de recursos entre os países da Zona Euro, quer para aplicar uma política contracíclica quer para complementar as despesas de investimento, particularmente em infra-estrutura económica e social.

 

Mas isso deve, inevitavelmente, envolver a criação de um orçamento separado da Zona Euro e a transferência de competências do nível nacional para as autoridades supranacionais. A nova estrutura fiscal deveria incluir tributação comum e Eurobonds, e o Mecanismo Europeu de Estabilidade deveria incluir um fundo de resgate grande o suficiente para resolver as crises da dívida soberana. Ao mesmo tempo, a união bancária, estabelecida pela UE na sequência da crise financeira global 2007-2008, deveria ser reforçada através da ampliação da base de capital do Fundo Único de Resolução e da criação de um regime comum de garantia de depósitos.

 

Tudo isto pressupõe que os poderes das instituições supranacionais da UE, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, seriam aumentados de forma significativa. A Comissão Europeia deve tornar-se um governo próprio, com um presidente eleito pelo povo. Também deveria ser criado um ministério das Finanças europeu, cujo líder presidiria ao Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças dos Estados membros da Zona Euro). Uma Assembleia especial do Parlamento Europeu, em que estão representados os membros da Zona Euro, deve dispor de poderes - no modelo de um parlamento nacional - para legislar e controlar o executivo.

 

Estas propostas vão provocar muitas críticas - e não apenas dos eurocépticos. Mas um movimento em direcção à integração fiscal e política é o preço que a Europa - começando pela Zona Euro - deve pagar para manter a sua unidade e relevância global. A alternativa é a aplicação inconsistente (se não arbitrária) das regras actuais, induzindo a divisão entre os Estados membros e a eventual fragmentação.

 

Yannos Papantoniou, ministro das Finanças e Economia da Grécia entre 1994 e 2001, é presidente do Center for Progressive Policy Research, um think tank independente.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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