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10 de Maio de 2015 às 17:17

O Estado criativo

A visão generalizada da economia convencional dos dias de hoje é que os governos têm pouca capacidade para incentivar a inovação. Segundo esta visão, o Estado deve desempenhar um papel tão limitado na economia quanto possível, intervindo apenas em casos de "falha do mercado". Mas isto está muito longe da verdade.

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Na verdade, os governos podem desempenhar um papel fundamental no estímulo à inovação - sendo criadores activos de novos mercados, em vez de meros correctores dos existentes. Os defensores de um papel económico limitado para o Estado acreditam que as falhas do mercado justificam algum financiamento de infra-estruturas e ciência. Mas esta intervenção limitada não explica os milhares de milhões de dólares do sector público que fluíram para a investigação aplicada, mesmo financiando as empresas nos seus estágios iniciais. De facto, em alguns dos maiores centros de inovação do mundo, o Estado tem desempenhado um papel "empreendedor" fundamental, projectando e financiando a criação de campos totalmente novos, em áreas como a informática, a biotecnologia, a nanotecnologia e a tecnologia ecológica. 

 

Em Silicon Valley, por exemplo, o governo tem actuado como um investidor estratégico através de uma rede descentralizada de instituições públicas: a Agência de Projectos de Investigação Avançada de Defesa, a NASA, o programa de Investigação em Inovação para Pequenas Empresas (SBIR) e a Fundação Nacional para as Ciências.

 

Os montantes envolvidos podem ser surpreendentes, e não apenas em TI; também foram canalizadas grandes quantias para o financiamento de investigações na área das ciências da energia e da vida. Em 2011, por exemplo, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos investiram 31 mil milhões de dólares em investigação biomédica. Marcia Angell, professora da Escola de Medicina de Harvard, demonstrou que esse financiamento foi fundamental para o desenvolvimento de alguns dos fármacos mais revolucionários das últimas décadas. Da mesma forma, para algumas das empresas mais inovadoras da América, o financiamento do SBIR provou ser mais importante do que o capital de risco privado.  

 

Exemplos fora dos Estados Unidos incluem Israel, onde o fundo público de capital de risco Yozma concedeu financiamento inicial a algumas das empresas mais dinâmicas do país, e a Finlândia, onde o Sitra, o fundo público de inovação, concedeu financiamento inicial à Nokia. Na China, o banco de desenvolvimento estatal está a oferecer milhares de milhões de dólares em empréstimos a algumas das empresas mais inovadoras do país, incluindo a Huawei e a Yingli Solar.

 

Estes tipos de investimentos públicos são fundamentais na criação e formação de novos mercados. Na verdade, o investimento estatal desempenhou um papel central no desenvolvimento de quase todas as tecnologias que tornam o iPhone um telefone inteligente: a internet, o GPS, os ecrãs sensíveis ao toque e os avanços no reconhecimento de voz que está na base do Siri. Da mesma forma, em muitos países é o sector público que está a liderar as iniciativas em prol da tecnologia verde.

Reconhecer a importância do investimento público na promoção da inovação e do crescimento obriga a repensar as ideias convencionais sobre a intervenção do Estado. Em vez de se concentrarem em determinadas empresas ou tecnologias, os organismos públicos devem agir como investidores, apostando numa "carteira" diversificada de opções.

 

Como qualquer outro investidor, o Estado não ganhará sempre. Na verdade, é mais provável que perca, porque as agências governamentais costumam investir nas áreas de maior incerteza, que o capital privado evita. Isto significa que os organismos públicos devem ser capazes de arriscar e aprender por tentativa e erro.

 

Se o fracasso é uma parte inevitável do jogo da inovação, e se o governo é um elemento crucial para essa inovação, a sociedade deve ser mais tolerante com os seus fracassos. Mas a realidade é que quando o governo falha, há protestos do público - e silêncio quando ele é bem sucedido.

 

Por exemplo, a falência da empresa norte-americana de energia solar Solyndra, que recebeu um empréstimo de 500 milhões de dólares com garantia estatal, desencadeou acusações políticas. No entanto, poucos pararam para pensar que o governo concedeu quase a mesma quantia à Tesla para ajudar a desenvolver o carro Tesla S, um produto que é considerado um arquétipo da inovação em Silicon Valley.

 

O que poderá, então, aumentar a tolerância pública perante os fracassos do governo?

 

Os investidores de risco privados cobrem as perdas decorrentes de investimentos fracassados com os lucros provenientes de investimentos bem-sucedidos; mas os programas do governo não são criados para gerar retornos significativos. Embora muitos defendam que o retorno do Estado vem dos impostos, o sistema fiscal actual é disfuncional, não só devido a lacunas, mas também por causa da redução das taxas. Quando a NASA foi fundada, a taxa marginal máxima era superior a 90%. E o imposto sobre o rendimento de capitais caiu em mais de 50% desde a década de 1980.

 

Para gerar apoio ao investimento público em projectos de inovação mais arriscados, talvez seja necessário criar retornos mais directos para os contribuintes, canalizando os lucros para um fundo público de inovação que financie a próxima onda de tecnologias. Os investimentos em investigação básica produzem efeitos em todas as indústrias e sectores, o que constitui uma recompensa social suficiente. Mas noutros casos, talvez seja necessário criar outros incentivos.

 

Por exemplo, parte dos lucros provenientes dos investimentos do governo na Tesla poderia ter sido usada para cobrir as perdas dos investimentos na Solyndra. O reembolso dos empréstimos públicos às empresas poderia ser condicionado aos seus resultados, como acontece muitas vezes com os empréstimos estudantis. E poderiam ser colocados travões nos preços dos medicamentos desenvolvidos com financiamento do Estado, para que o contribuinte não pague duas vezes.

 

Uma coisa é certa: o sistema actual tem deficiências graves, em grande parte porque socializa os riscos e privatiza os proveitos. Isso está a prejudicar não só as oportunidades de inovação futuras, mas também a capacidade do governo para comunicar o seu papel ao público. Reconhecer o papel que o Estado tem desempenhado - e deve continuar a desempenhar - na promoção da inovação permite-nos começar a debater a questão mais importante: quais são os novos investimentos públicos visionários que necessitamos para impulsionar o crescimento económico futuro?

 

Professora de Economia da Inovação na unidade de políticas científicas da Universidade de Sussex, é a autora de "The Entrepreneurial State: Debunking Public vs. Private Sector Myths".

 

© Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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