Opinião
O caminho ucraniano da Europa para a normalidade
Numa altura em que a Europa celebrou recentemente o 25º aniversário da queda do Muro de Berlim, pairam novamente nuvens negras sobre o continente. Tal como não houve nada de inevitável nas importantes mudanças que se seguiram ao final da Guerra Fria, a convergência económica e política na Europa a que nos habituámos também não foi previamente determinada. O ímpeto rumo à integração continua a ser forte; no entanto, especialmente desde a crise financeira mundial de 2008, surgiram forças contraditórias, ameaçando desfazer grande parte do progresso que foi alcançado.
Recordar o que levou aos acontecimentos de 1989 talvez ajude a Europa a sair do seu actual mal-estar. Tal como demonstrou de forma convincente Yegor Gaidar, o primeiro primeiro-ministro da Rússia na era pós-soviética, no seu livro intitulado Collapse of an Empire, foi a queda dos preços do petróleo que determinou o ‘timing’ do colapso. Mas o que montou o palco foi uma conjugação de desmoralização interna na União Soviética com os elevados custos do armamento militar externo.
Uma vez mais, temos de redesenhar mapas mentais que encaixem em patrimónios históricos distorcidos. O ‘dividendo da paz’ – menores gastos com a defesa, de par com uma maior liberdade comercial e de investimento – que surgiu com o fim da Guerra Fria transformou-se agora num ‘imposto geopolítico’, uma perda para o bem-estar global.
Na procura da Europa pelo caminho de regresso à normalidade, os seus líderes têm de procurar novas negociações, em que todas as partes saiam a ganhar. Ironicamente, podemos encontrar este terreno comum no local de onde emana a actual tensão na Europa: na Ucrânia. Precisamente porque a Ucrânia é a fonte de conflito, deve também servir de base para os esforços de mudança de rumo. Tal como na época soviética, temos de dar passos progressivos, restaurando elementos de normalidade e reconstruindo a confiança.
Uma área onde devemos focalizar-nos é a do sector financeiro ucraniano, onde tanto os bancos russos como da Europa Ocidental estão bastante expostos – tendo, assim, um forte incentivo para trabalharem em conjunto no sentido de manterem a estabilidade financeira. Desde Junho desde ano, os bancos afectados e as principais autoridades, de par com instituições financeiras internacionais, têm mantido reuniões em Kiev, no âmbito da Iniciativa de Viena. O sistema bancário está numa crise profunda, mas pelo menos existe um diálogo construtivo envolvendo os bancos russos presentes no país.
Os interesses comuns são também evidentes no sector do gás – um produto crucial no Orçamento do Estado da Ucrânia e talvez a principal fonte de corrupção no país. Todos os lados querem mais segurança energética: a Rússia quer procura garantida e a Europa e Ucrânia querem preços estáveis, sem perturbações no fornecimento. O acordo celebrado em Outubro, negociado pela União Europeia, no sentido de retomar o fornecimento de gás russo à Ucrânia, deve fazer-se acompanhar por uma reforma genuína do sector, envolvendo eventualmente um operador internacional da rede.
Uma terceira área é o comércio. O acordo negociado entre a Rússia, Ucrânia e União Europeia relativamente à aplicação provisória do Acordo de Associação da UE constituiu mais uma oportunidade de reconhecimento de interesses comuns. O acordo entrou em vigor no passado dia 1 de Novembro, mas continua a não se saber se todos o respeitarão. Se as coisas forem bem feitas, as negociações comerciais - ideologicamente menos tributadas -poderão ser uma área onde todas as partes podem encontrar terreno comum.
Estes jogos de soma positiva (em que todos saem a ganhar) não puseram fim à Guerra Fria, mas ofereceram oportunidades para criar confiança e facilitar as trocas. As instituições internacionais, criadas para incentivar essas medidas de edificação da confiança, não conseguem desempenhar o seu papel neste momento, mas devem ser envidados todos os esforços no sentido de assegurar que, assim que a geopolítica o permita, a sua capacidade reconstrutiva seja restaurada. Precisamos de mais integração, não menos, para ancorarmos o nosso futuro comum e incentivarmos uma maior comunhão de valores.
Erik Berglöf é economista-chefe do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD).
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Tradução: Carla Pedro