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18 de Janeiro de 2018 às 14:00

Miséria e metas de inflação

Embora seja importante reconhecer os méritos das metas de inflação, o índice de miséria também tem um papel importante para nos ajudar a avaliar o estado das nossas economias - e o sucesso das nossas políticas.

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Os Estados Unidos, a Europa e o Japão estão a fazer progressos económicos positivos. Nos EUA, a taxa de desemprego está a cair, situando-se agora pouco acima de 4%. Na Zona Euro, ainda que permaneça elevada, em torno de 9%, representa um progresso significativo na última década. E o Japão alcançou praticamente o pleno emprego, com a procura por mão-de-obra tão elevada que os licenciados não só conseguem encontrar emprego, como também escolher.

 

No entanto, há uma área chave em que o progresso parece estar atrasado: a inflação. Enquanto o índice de preços no consumidor, nos EUA, atingiu 2,2% em Outubro, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão não conseguiram, até agora, atingir as suas metas de inflação de aproximadamente 2%, com o crescimento médio anual dos preços na Zona Euro em torno de 1,5% e, no Japão, em 1%.  

 

Há boas razões para tentar atingir a meta de inflação. Os mercados monetários livrar-se-iam de taxas de juro próximas de zero. As preocupações com a apreciação da moeda que penalizam a competitividade das exportações seriam atenuadas, à medida que a globalização e a inteligência artificial continuam a criar concorrência para os trabalhadores. E a política monetária expansionista perseguida pelos principais bancos centrais do mundo nos últimos anos seria justificada.

 

No entanto, quando se trata do bem-estar das pessoas comuns, atingir as metas da inflação nem sempre é a melhor opção. Naturalmente, manter a inflação num nível alto é benéfico, na medida em que isso preserva o valor do dinheiro existente. Mas aumentar o nível mínimo para 2% deixa as pessoas pior, porque faz com que as suas economias perdam valor continuamente, prejudicando a sua prosperidade.

 

O falecido Arthur Okun, que era um dos meus professores da Yale antes de se tornar presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Lyndon Johnson, criou o chamado Índice de Miséria, que vai além do crescimento do PIB global ou da taxa de desemprego para fornecer informações sobre o estado do cidadão médio em termos económicos. O índice de Okun - a soma das taxas de inflação e de desemprego - baseia-se no pressuposto de que um aumento da inflação, tal como do desemprego, cria custos económicos e sociais para um país.

 

A verdade é que a meta da inflação é um meio para um fim - para facilitar o pleno emprego e um crescimento mais rápido do PIB - e não um fim em si mesmo. E, pelo menos no Japão, foram feitos avanços substanciais para esse fim, apesar do fracasso em atingir a meta de inflação do Banco do Japão. Sinais de pleno emprego no mercado de trabalhadores permanentes poderiam preparar o cenário para um aumento moderado dos salários. Não foi o caso antes de 2013, quando a implementação do programa de reformas económicas do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, denominado Abenomics, pôs fim a um período de política monetária austera.

 

Mas isso não impediu os críticos do Abenomics de insistirem na questão do incumprimento da meta da inflação. A questão é porquê.

 

Há relativamente pouco tempo, coloquei essa questão a uma autoridade de política monetária (cujo nome não posso revelar). Em vez de dar uma resposta directa, respondeu que era "complicado", acabando por dizer que, independentemente de a taxa de desemprego ser muito baixa, a meta de inflação deveria ser perseguida.

 

Esse tipo de pensamento é comum entre os economistas, em particular a geração que foi confrontada com a revolução das "expectativas racionais" na macroeconomia. Essa corte vê a economia como o estudo de modelos, nos quais as expectativas dos agentes podem ser consideradas racionais e consistentes com o modelo. Nesta perspectiva, as expectativas de inflação podem ser assumidas como previsões ideais do futuro, ou pelo menos, racionais, com a sua exactidão e precisão comprometidas apenas pelas limitações de informações recebidas pelos actores económicos.

 

Economistas mais antigos pensavam de forma diferente, assumindo que a maioria dos resultados económicos no mundo real são o resultado de um comportamento que é pelo menos parcialmente irracional, o que significa que as expectativas devem ser vistas mais como possibilidades razoáveis do que quase certezas. Como pertenço à geração ensinada por velhos sábios - Lawrence Klein, Franco Modigliani e James Tobin - acho que esta é uma avaliação válida, e que  deveria ser aplicada às discussões de hoje sobre política monetária e inflação.

 

Embora seja importante reconhecer os méritos das metas de inflação, o índice de miséria também tem um papel importante para nos ajudar a avaliar o estado das nossas economias - e o sucesso das nossas políticas.

 

Koichi Hamada é professor na Universidade de Yale e conselheiro especial do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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