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13 de Março de 2017 às 15:45

Economistas em negação

O Banco de Inglaterra admitiu que o Brexit iria criar um período de incerteza, o que seria mau para as empresas. Mas a nova situação criada pelo Brexit foi muito diferente do que os políticos, e os seus ouvidos sintonizados com a City de Londres, esperavam.

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No início de Janeiro, Andy Haldane, economista-chefe do Banco de Inglaterra, afirmou que o falhanço dos modelos de previsão recentes do Banco de Inglaterra se deveu a um "comportamento irracional". A incapacidade para reconhecer esta irracionalidade levou os políticos a preverem que a economia britânica iria abrandar no rescaldo do referendo do Brexit, realizado no passado mês de Junho. Em vez disso, os consumidores britânicos têm registado uma onda de gastos negligentes desde a votação para sair da União Europeia; e, não menos ilógico, é o facto de a construção, produção e serviços terem recuperado.

 

Haldane não deu nenhuma explicação para a explosão deste comportamento irracional. Nem pode: irracionalidade significa simplesmente que é um comportamento que é inconsistente com as previsões decorrentes do modelo do Banco de Inglaterra.

 

Mas não é só Haldane ou o Banco de Inglaterra. O que os economistas querem dizer com comportamento racional não é o mesmo que eu ou você. Na linguagem popular, o comportamento racional é o que é razoável perante as circunstâncias. Mas, no mundo elitista dos modelos de previsão neoclássicos, significa que as pessoas, tendo um conhecimento detalhado deles mesmos, daquilo que os rodeia e do futuro que enfrentam, actuam para alcançar os seus objectivos. Isto é, actuam racionalmente, o que significa actuar de uma maneira consistente com os modelos económicos de comportamento racional. Quando enfrentam um comportamento contrário, os economistas reagem como o alfaiate que culpa o seu cliente por não caber no fato feito à sua medida.

 

Ainda assim, o facto curioso é que as previsões baseadas em premissas amplamente irrealistas e em suposições podem ser úteis em muitas situações. O motivo é que a maioria das pessoas são criaturas de hábitos. Uma vez que as suas preferências e circunstâncias não mudam todos os dias, e porque tentam conseguir o melhor negócio possível quando fazem compras, o seu comportamento vai mostrar um elevado grau de regularidade. Isso torna-o previsível. Não são precisas muitas noções de economia para saber se o preço da marca de pasta de dentes que gostas mais subiu, ou se vais mudar para uma marca mais barata.

 

Os modelos de previsão que os bancos centrais usam têm por base, essencialmente, a mesma lógica. Por exemplo, o Banco de Inglaterra (e de forma correcta) previu uma queda da taxa de câmbio da libra após a votação do Brexit. Isto levou a uma subida dos preços – e por conseguinte a um abrandamento dos gastos. Haldane continua a acreditar que isto vai acontecer; o erro do Banco de Inglaterra está mais relacionado com uma questão de "timing" do que de lógica.

 

Isto é o mesmo que dizer que a votação do Brexit não mudou nada de fundamental. As pessoas continuam a comportar-se exactamente como o modelo previu, apenas com uma diferença no conjunto de preços. Mas qualquer previsão baseada em padrões de comportamento recorrentes vão falhar quando alguma coisa genuinamente nova acontecer.

 

Mudanças não rotineiras levam a que o comportamento não seja rotineiro. Mas não rotineiro não significa irracional. Significa, em termos económicos, que os parâmetros mudaram. A garantia que o dia de amanhã vai ser muito parecido ao de hoje desapareceu. Os nossos modelos de risco quantificável falham quando enfrentam uma incerteza radical.

 

O Banco de Inglaterra admitiu que o Brexit iria criar um período de incerteza, o que seria mau para as empresas. Mas a nova situação criada pelo Brexit foi muito diferente do que os políticos, e os seus ouvidos sintonizados com a City de Londres, esperavam. Em vez de se sentirem muito pior (como "racionalmente" deviam), a maioria dos partidários do "Leave" acreditam que vão ficar melhor.

 

Justificado ou não, o facto importante em relação a este sentimento é que existe. Em 1940, imediatamente a seguir à queda da França face à Alemanha, o economista John Maynard Keynes escreveu a um correspondente dizendo o seguinte: "Falando por mim, sinto-me agora, pela primeira vez, completamente confiante que vamos vencer a guerra". Da mesma forma, muitos britânicos estão agora mais confiantes em relação ao futuro.

 

Este, então, é o problema – que Haldane viu mas que não podia admitir – com os modelos de previsão do Banco de Inglaterra. As coisas importantes que afectam as economias ocorrem fora dos próprios limites dos modelos económicos. É, por isso, que as previsões macroeconómicas terminam nas rochas quando o mar não está completamente sereno.

 

O desafio é desenvolver modelos macroeconómicos que possam trabalhar em condições adversas: modelos que incorporem incertezas radicais e, por conseguinte, incorporem um elevado grau de imprevisibilidade no comportamento humano.

 

A economia de Keynes era sobre a lógica da escolha perante a incerteza. Ele queria alargar a ideia de racionalidade económica para incluir o comportamento perante uma incerteza radical, quando enfrentamos não apenas o desconhecido, mas uma incógnita desconhecida. Isto claro que tem implicações muito mais severas para a política do que para um mundo em que esperamos que o futuro seja melhor do que o passado.

 

Existiram algumas tentativas para enfrentar o desafio. Os economistas Roman Frydman, da Universidade de Nova Iorque, e Michael Goldberg, da Universidade do New Hampshire, no seu livro Beyond Mechanical Markets, publicado em 2011, argumentam que os poderosos modelos dos economistas deviam tentar "incorporar factores psicológicos sem presumirem que os participantes do mercado se comportam de forma irracional". Ao propor uma abordagem alternativa aos modelos económicos a que chamam "conhecimentos económicos imperfeitos", apelam aos seus colegas para que se abstenham de dar "previsões afiadas". E argumentam que os políticos deviam confiar em "intervalos de orientação" que tenham por base referências históricas, de forma a conter as oscilações "excessivas" nos preços dos activos.

 

O matemático russo, Vladimir Masch, criou um esquema engenhoso de "organização condicionada do risco", que assume de forma explícita a existência de uma "zona de incerteza". Os economistas devem dar "estimativas muito aproximadas", exigindo "apenas uma quantidade modesta de esforços computacionais e modelos".

 

Mas tais esforços para incorporar uma incerteza radical nos modelos económicos, por mais corajosos que sejam, sofrem do sonho impossível de domesticação da ambiguidade com matemática e (no caso de Masch) com a informática. Também Haldane parece depositar a sua esperança em grandes conjuntos de dados.

 

Keynes, por sua vez, não pensava desta maneira. Keynes queria uma economia que desse uma margem para julgamentos, enriquecida não apenas pela matemática e estatística, mas também pela ética, filosofia, política e história – temas que foram abandonados pelos economistas contemporâneos, deixando o esqueleto da matemática e da informática. Para dar descrições relevantes sobre o mundo, os economistas, digo muitas vezes, têm de ter uma boa educação.

 

Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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