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18 de Janeiro de 2017 às 20:00

Da Rússia com amor não correspondido

Há poucas esperanças agora de Abe ver retornos tangíveis do capital político que investiu em cortejar Putin. E o dilema do Japão só se vai aprofundar.

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O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, cortejou assiduamente o presidente russo Vladimir Putin, encontrando-se com ele mais de uma dúzia de vezes em quatro anos. No mês passado, recebeu Putin em Tóquio e na sua cidade natal de Nagato (famosa pelas suas onsen, ou fontes termais naturais). Mas o cortejo de Abe rendeu pouco ao Japão até agora, e muito à Rússia.

 

As aproximações diplomáticas de Abe a Putin são parte integrante da sua estratégia mais ampla de posicionar o Japão como um contrapeso face à China e de reequilibrar o poder na Ásia, onde o Japão, Rússia, China e Índia formam um quadrângulo estratégico. Abe já estabeleceu uma relação estreita com a Índia, e vê a melhoria das relações com a Rússia - com quem o Japão nunca fez formalmente as pazes depois da Segunda Guerra Mundial - como o ingrediente que falta para um equilíbrio do poder regional.

 

Mas os esforços da Abe para construir uma relação de confiança com a Rússia não visam apenas controlar a agressão chinesa. Abe também quer que a Rússia devolva as Ilhas Curilas - uma área rica em recursos conhecida como Territórios do Norte no Japão - que a União Soviética ocupou logo depois de os Estados Unidos terem lançado bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945. Em troca, Abe ofereceu ajuda económica, investimentos no Extremo Oriente negligenciado da Rússia e grandes negócios na área da energia.

 

No entanto, Abe encontrou vários obstáculos. Para começar, o Japão é um participante nas sanções norte-americanas que foram impostas à Rússia depois de anexar a Crimeia em Março de 2014. Essas sanções aproximaram a Rússia do seu histórico rival, a China; e Putin identificou publicamente as sanções como um obstáculo para a conclusão de um tratado de paz com o Japão.

 

Em resposta à aproximação de Abe, Putin mostrou-se inflexível. A Rússia reforçou a sua defesa nas quatro ilhas disputadas e, pouco antes da cimeira de Dezembro, Putin disse à imprensa japonesa que o actual acordo territorial é adequado aos interesses russos. "Achamos que não temos problemas territoriais", afirmou. "É o Japão que pensa que tem um problema territorial com a Rússia".

 

O regime de sanções conduzido pelos Estados Unidos e os baixos preços do petróleo têm penalizado a economia russa, que deverá ter contraído 0,8% em 2016. Assim, Putin está mais relutante do que nunca em oferecer concessões territoriais, para não manchar a sua imagem interna de defensor firme dos interesses nacionais russos.

 

Neste contexto, não é surpreendente que Abe tenha deixado a recente "cimeira onsen" com esperanças frustradas de resolver a disputa territorial, enquanto Putin voltou para casa com 68 novos acordos comerciais. Muitos dos novos acordos são simbólicos, mas alguns são substantivos, incluindo negócios no valor de 2,5 mil milhões de dólares e um acordo para criar um fundo de investimento bilateral de mil milhões de dólares.

 

Segundo o último acordo, o Japão e a Rússia devem criar um "quadro especial" para actividades económicas conjuntas nas ilhas em disputa. Mas o plano já teve problemas. Peter Shelakhaev, alto funcionário russo que lidera a Agência de Investimento e Exportação do Extremo Oriente do governo, indicou que existem barreiras legais para estabelecer esse quadro e que as empresas japonesas que fazem negócios nas Ilhas Curilas teriam de pagar impostos à Rússia. Contudo, se o Japão fizesse isso, estaria a reconhecer efectivamente a jurisdição da Rússia sobre as ilhas.

 

A Abe foi negado o legado que procurava, enquanto Putin conseguiu aliviar o isolamento internacional da Rússia. Abe foi o primeiro líder do G7 a realizar uma cimeira com Putin depois de a Rússia ter anexado a Crimeia, e agora a Rússia também ganhou a cooperação económica do Japão.

 

O Japão é o único país do G7 que tem uma disputa territorial com a Rússia, e está claramente mais ansioso para chegar a um acordo do que o Kremlin. Mas isso só fortaleceu a Rússia. Enquanto o Japão suavizou a sua posição, e sinalizou que pode aceitar apenas uma devolução parcial das ilhas, a Rússia só se tornou mais intransigente. Depois da recente cimeira, Abe revelou que Putin parece estar a renegar um acordo de 1956 entre o Japão e a União Soviética, que estipula que as duas ilhas mais pequenas serão devolvidas ao Japão após a assinatura de um tratado de paz.

 

O ano passado marcou o 60º aniversário da declaração conjunta, que foi amplamente vista, na altura, como um avanço. O Kremlin sugere agora que o seu compromisso de cumprir a declaração estava condicionado à não adesão do Japão a qualquer aliança de segurança contra a Rússia. E Putin expressou preocupações de que o Tratado de Segurança Japão-EUA de 1960 se estenda às ilhas disputadas se elas forem devolvidas, permitindo assim aos EUA estabelecer uma presença militar ali.

 

O Japão não está em posição de responder às preocupações da Rússia. Não pode optar pelo regime de sanções norte-americano; e não pode excluir as Ilhas Curilas em disputa do seu tratado de segurança com os EUA, especialmente agora que tem exortado os EUA a apresentarem um compromisso explícito de defender as Ilhas Senkaku controladas pelo Japão, sobre as quais a China reivindica a soberania.

 

Putin, por seu lado, parece satisfeito com a sua posição negocial. Não só chegou quase três horas atrasado à cimeira onsen - em linha com o seu hábito de deixar líderes estrangeiros à espera – como também recusou um presente do governo japonês - um companheiro masculino para a sua cadela japonesa Akita, que o Japão lhe ofereceu em 2012.

 

Há poucas esperanças agora de Abe ver retornos tangíveis do capital político que investiu em cortejar Putin. E o dilema do Japão só se vai aprofundar. O desejo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, de melhorar as relações com a Rússia pode dar a Abe margem de manobra para continuar a cortejar Putin; mas se a Rússia conseguir os EUA do seu lado, não precisará mais do Japão.

 

Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política em Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim, é autor de nove livros, incluindo Asian JuggernautWater: Asia’s New Battleground, e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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