Opinião
Como evitar uma guerra sino-americana
Em poucas semanas, os líderes dos Estados Unidos e da China vão encontrar-se em Washington para o seu "diálogo estratégico" anual. Tendo em conta as tensões crescentes no Mar do Sul da China, este diálogo está a assumir cada vez mais importância.
Em 2001, quando um avião espião americano EP-3 sobre o Mar do Sul da China colidiu com um avião interceptador da força aérea chinesa perto da ilha Hainan, os líderes chineses e norte-americanos conseguiram neutralizar a situação e evitar um confronto militar. Actualmente, tal incidente no Mar do Sul da China, onde a China e vários países do sudeste asiático têm reivindicações territoriais, levaria quase certamente a um confronto armado – que poderíamos esperar que rapidamente escalasse em guerra aberta.
No mês passado, na conferência anual de segurança Shangri- La Dialogue, o primeiro-ministro de Singapura, Lee Hsien Loong, transmitiu a profunda apreensão dos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático sobre o potencial de um conflito armado entre a China e os Estados Unidos. A boa notícia é que os representantes dos Estados Unidos e da China tomaram a conferência como uma oportunidade para assinalarem subtilmente a sua disponibilidade para acalmar a tensão e continuarem comprometidos uns com os outros.
O secretário da Defesa dos Estados Unidos Ashton Carter, num esforço para limitar o espaço para provocação, apelou a todos aqueles que reivindicam os territórios no Mar do Sul da China que parassem os esforços de construção na ilha e de reclamação de terrenos. Também propôs uma arquitectura de segurança regional que dá a todos os países e pessoas na região da Ásia-Pacífico o "direito de crescer".
Do lado da China, Admiral Sun Jianguo, vice-chefe do "staff" do Exército de Libertação Popular, reiterou o compromisso do seu país para resolver as disputas através de "negociações pacíficas, ao mesmo tempo que evita conflitos e confrontos". Acrescentou que todos os países, grandes e pequenos, têm igual direito a participar nos assuntos da segurança regional e partilhar a responsabilidade de manter a estabilidade regional.
Mas tal retórica apaziguadora não pode obscurecer o papel determinante que a rivalidade entre as grandes potências tem no Mar do Sul da China. A China interpreta a intervenção dos Estados Unidos como uma tentativa explícita de conter a China ao alimentar o conflito entre ela e os seus vizinhos. Os Estados Unidos vêem as reivindicações marítimas da China como um esforço para desafiar a primazia norte-americana na região da Ásia-Pacífico.
Em certo sentido, ambos os países têm um ponto. A China aspira a ser um poder marítimo, mas as suas costas são, até certo ponto, cercadas pelo Japão e Filipinas, ambos aliados dos Estados Unidos, e pelo Taiwan, com quem os Estados Unidos mantêm laços de segurança.
Mas a desconfiança estratégica entre a China e os Estados Unidos vai além de questões marítimas. Apesar das situações problemáticas no Médio Oriente e no Leste da Europa, os Estados Unidos continuam focados em reformular as suas alianças num sistema de segurança com mais relações no teatro Indo-Pacífico, capitalizando a rede dos laços militares na Ásia entre os velhos aliados e os novos parceiros tais como a Índia e o Vietname.
Em particular, a aliança entre os Estados Unidos e o Japão está a sofrer uma transformação histórica, com orientações renovadas para a cooperação da defesa que permite maior autonomia japonesa nos assuntos de segurança – e isso apresenta a China como o principal adversário. Junta-se a isso a implantação potencial de um sistema de defesa anti-míssil dos Estados Unidos na Coreia do Sul e as perspectivas de uma presença militar dos Estados Unidos no Vietname e não é difícil entender a ansiedade da China.
Os Estados Unidos estão a colocar pressão económica na China também – numa altura em que, nem mais nem menos, a China está a ter dificuldades em implementar as reformas domésticas arriscadas face ao abrandamento do crescimento. Os Estados Unidos tentaram recentemente bloquear o estabelecimento do Banco de Investimento em Infra-Estrutura Asiática liderado pela China e, assim, a impedir os seus aliados de se juntarem.
Além disso, ao repetidamente chamar a proposta Parceria Trans-Pacífica de projecto "estratégico", tem politizado o acordo comercial que, como o economista Arvind Subramanian sublinhou, vai colocar as empresas chinesas em desvantagem nos mercados asiáticos e dos Estados Unidos. Este esforço merece, sem dúvida, ser descrito como "contenção".
Para os políticos chineses, os Estados Unidos não são o poder status quo que reclamam ser. Perante as tentativas dos Estados Unidos de remodelar a segurança regional e os acordos económicos, a China sente que não tem escolha senão preparar-se para os piores cenários – uma abordagem que se reflecte no chamado "conceito principal" do presidente chinês Xi Jinping.
Com uma nova ronda de debate político sobre a abertura da China nos Estados Unidos, as tensões podem estar a aumentar. A maior parte dos estrategos americanos não estão apenas pessimistas sobre o futuro da relação bilateral: também identificam a China como uma ameaça potente ao papel dos Estados Unidos na Ásia.
Um relatório recente do relativamente moderado Concelho das Relações Internacionais define que o esforço dos Estados Unidos para "’integrar’ a China na ordem internacional liberal" tem gerado "novas ameaças" não apenas à primazia dos Estados Unidos na Ásia mas também ao seu poder global. Tendo isto em conta, os autores do relatório argumentam que os Estados Unidos precisam de uma "nova estratégia importante" em direcção à China que se foque no equilíbrio – mais do que no apoio – à supremacia do país.
Michael Swaine, um especialista asiático em segurança na Carnegie Endowment for International Peace, também duvida da sustentabilidade da primazia americana na região da Ásia-Pacífico nas próximas décadas. Defende uma estratégia menos antagónica: um processo com múltiplas fases de acomodação mútua para criar um equilíbrio de poder regional mais estável entre os Estados Unidos e a China.
Assegurar uma paz estável e a continuação da prosperidade na região da Ásia-Pacífico vai requerer que tanto a China como os Estados Unidos substituam as suas interpretações próprias das intenções estratégicas do outro com avaliações mais sóbrias. No curto prazo, isso significa reconhecer que o desafio de navegar assuntos marítimos complexos envolvendo muitos operadores regionais ambiciosos deve ser enfrentado de forma pragmática e cooperativa.
Ao activar a diplomacia de topo, construindo fortes mecanismos de gestão de crise e enriquecendo as regras de compromisso no Mar do Sul da China, uma guerra entre os Estados e a China pode ser evitada. Tendo em conta o vasto prejuízo que tal conflito pode causar, esta abordagem é menos uma opção do que uma necessidade.
Minghao Zhao é investigador no Charhar Institute, em Pequim, adjunto no Chongyang Institute for Financial Studies na Universidade de Renmin na China e membro do China National Committee of the Council for Security Cooperation in the Asia Pacific (CSCAP).
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
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Tradução: Raquel Godinho