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19 de Agosto de 2014 às 15:04

A marcha árabe da China

O crescente derramamento de sangue no Iraque e na Síria está a ser acompanhado tão de perto na China como em qualquer outra parte do mundo. De facto, o Médio Oriente está a tornar-se cada vez mais um foco da política externa chinesa.

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Durante a sexta conferência ministerial do Fórum para a Cooperação entre a China e os Estados Árabes, realizada em Pequim, o presidente chinês, Xi Jinping, pediu aos seus homólogos árabes para melhorarem as suas relações estratégicas com a China através da cooperação bilateral em áreas como a energia, o sector financeiro ou a tecnologia espacial. Isto reflecte um objectivo mais amplo da China – o de reequilibrar o seu foco estratégico ocidental, colocando ênfase no mundo árabe.

 

Claro que os laços económicos entre a China e os países árabes têm crescido de forma sustentada por mais de uma década, com o volume de comércio a subir de 25,5 mil milhões de dólares (cerca de 19 mil milhões de euros) em 2004 para 238,9 mil milhões de dólares (cerca de 178,5 mil milhões de euros) em 2013. A China é actualmente o segundo maior parceiro comercial do mundo árabe e o maior parceiro comercial em nove países árabes. Dentro de dez anos, é possível que o volume comercial entre a China e os países árabes atinja os 600 mil milhões de dólares (448,3 mil milhões de euros).

 

Sob a liderança de Xi Jinping, a China tenta reformular a sua relação com os países árabes de acordo com o seu novo quadro estratégico: a "marcha para o oeste". A componente mais notável desta estratégia é o "cinto económico da Rota da Seda", que inclui a antiga Rota da Seda da Ásia Central e o moderno tráfego da Rota da Seda – uma iniciativa que Xi Jinping promoveu fortemente no encontro recente em Pequim.

 

Este esforço mostra o objectivo da China de estabelecer relações bilaterais com as principais economias em desenvolvimento ao seu redor. Com esta finalidade, o primeiro-ministro, Li Keqiang, propôs um corredor económico que ligue a China ao Paquistão e mencionou outros corredores que passem pelo Bangladesh, Índia e Myanmar.

 

Sem surpresas, a energia tem sido o factor principal nos laços económicos com o mundo árabe. De 2004 a 2013, as importações chinesas de petróleo a partir de países árabes cresceram, em média, mais de 12% em termos anuais, atingindo 133 milhões de toneladas por ano. Em

A "marcha para o oeste" da China, em direcção ao mundo árabe, é um esforço audaz para converter o poder económico numa influência regional – e em última análise mundial – duradoura. É uma tarefa gigante. Ainda assim, uma tarefa que pode não apenas ajudar a assegurar o futuro de longo prazo da China mas talvez permitir dar um contributo para a solução dos enormes desafios que a região enfrenta.

Fevereiro, o director do Centro de Pesquisas de Desenvolvimento do Conselho do Estado, Li Wei, apontou que com base nas taxas actuais, a China vai consumir 800 milhões de toneladas de petróleo anualmente, em 2030, e importar 75% da matéria-prima.

 

Neste sentido, a trajectória da China contrasta fortemente com a dos Estados Unidos, onde o rápido crescimento da produção de gás e de petróleo de xisto, acompanhado por medidas de poupança energética, está a fazer com que o país se aproxime da independência energética. Uma questão que o presidente Barack Obama enfatizou no seu mais recente discurso do Estado da União. De facto, e segundo a Agência de Informação de Energia norte-americana, a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior importador líquido de petróleo do mundo no início deste ano.

 

Além disso, os Estados Unidos estão gradualmente a separar-se em termos estratégicos do Médio Oriente, criando um vazio que a China tenta preencher. Para ser bem-sucedida, a China tem de tornar-se mais atenta às dinâmicas complexas da região. E encontrar maneiras criativas de participar nos esforços de resolução dos conflitos, bem como, responder com entusiasmo ao crescente desejo dos governos do Médio Oriente de se ligarem à Ásia.

 

Fazer isto pode permitir que os líderes chineses avancem no seu objectivo de desenvolver as vastas regiões do interior do país. Especificamente, províncias ocidentais como Ningxia e Qinghai, onde existem grandes comunidades muçulmanas, o que pode ser benéfico para aprofundar ligações com as economias árabes.

 

Ter uma influência maior no mundo árabe iria também promover a imagem de uma China líder do mundo em desenvolvimento – uma posição que pode impulsionar a resiliência estratégica e económica de forma considerável. Em primeiro lugar, permitiria capitalizar o peso demográfico dos países em desenvolvimento – que em 2020 vai ter mais de 80% da população mundial. Além disso, permitirá à China maximizar os seus ganhos através do comércio florescente entre economias em desenvolvimento, que representava 8% do comércio mundial em 1990 e 24% em 2011.

 

É verdade que nem todos os governos árabes estão a receber a China de braços abertos. De facto, muitos dos mais poderosos actores do Médio Oriente – incluindo a Turquia e a Árabia Saudita – suspeitam das intenções de longo prazo da China.

 

Mas a China pode dar alguns passos para ganhar a confiança destes países. Por exemplo, os líderes chineses deviam trabalhar no sentido de resolver de forma mais eficaz a agitação na província de Xinjiang, que é dominada por muçulmanos.

 

Claramente, a importância da China não está restrita à Ásia. A "marcha para o oeste" da China, em direcção ao mundo árabe, é um esforço audaz para converter o poder económico numa influência regional – e em última análise mundial – duradoura. É uma tarefa gigante. Ainda assim, uma tarefa que pode não apenas ajudar a assegurar o futuro de longo prazo da China mas talvez permitir dar um contributo para a solução dos enormes desafios que a região enfrenta.

 

Minghao Zhao é investigador no think tank de política externa Charhar Institute, membro adjunto do Center for International and Strategic Studies na Universidade de Peking e editor executivo do China International Strategy Review.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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