Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Como as importações impulsionam o emprego

As importações de baixo custo, em vez de "destruírem" os empregos dos americanos estão, na verdade, a sustentá-los. E quando as empresas conseguem crescer como resultado da sua maior competitividade no país e no exterior, criam ainda mais empregos.

  • ...

De acordo com os populistas de hoje, "bons empregos" no sector industrial dos EUA foram "perdidos" devido à concorrência das importações e acordos comerciais preferenciais. Mas essa narrativa não se encaixa nos factos, porque as importações também criam empregos.

 

Para começar, muitos empregos estão directamente ligados ao comércio. Pensemos nos estivadores que carregam e descarregam a carga, nos pilotos e tripulações que transportam as mercadorias por via aérea, nos camionistas que o fazem por terra e nos trabalhadores grossistas e retalhistas que vendem esses bens.

 

Em segundo lugar, as importações garantem, muitas vezes, insumos mais baratos do que o que está disponível nos Estados Unidos, permitindo aos fabricantes americanos competir melhor com empresas estrangeiras nos mercados de exportação e manter a sua quota nos mercados domésticos. Em terceiro lugar, o investimento directo estrangeiro (IDE) ajuda as empresas americanas a adquirirem alguns insumos a um custo mais baixo, ao mesmo tempo que se envolvem em mais pesquisa e desenvolvimento, e outras actividades.

 

Por último, mas não menos importante, exportar para os EUA dá aos estrangeiros mais rendimentos com os quais podem comprar importações dos EUA e de outros países. Como os empregos em indústrias exportadoras requerem geralmente competências mais valiosas e, portanto, pagam mais do que empregos nas indústrias que competem com as importações, as exportações adicionais geradas pelas importações criam melhores empregos em geral.

 

Sem importações, muitos empregos que existem hoje desapareceriam. De acordo com algumas estimativas, os empregos relacionados com a produção de um bem importado representam mais de metade do seu preço de venda ao público. Muitas importações requerem instalações de serviços locais com trabalhadores americanos. Os automóveis estrangeiros, por exemplo, não seriam vendidos se não houvesse peças e mecânicos para trabalhar neles.

 

Para qualquer bem ou linha de produtos que se fabrique, o processo envolve tipicamente várias etapas. Algumas etapas exigem um nível elevado de engenharia e competências técnicas, e outras implicam empregos relativamente pouco qualificados. Como a força de trabalho dos EUA é altamente qualificada, no geral, as empresas americanas têm uma vantagem sobre os seus concorrentes estrangeiros.

 

Mas as empresas norte-americanas que dependem de componentes produzidos por mão-de-obra não qualificada devem fazer esses próprios componentes ou comprá-los a fontes domésticas de elevado custo. Isso pode colocá-las em desvantagem, ao nível dos custos, se estiverem a competir com empresas de outros países industriais que podem importar os mesmos insumos a um preço mais baixo, ou com empresas de países onde a mão-de-obra não qualificada é mais barata.

 

Por outro lado, quando as empresas americanas podem importar insumos que não exigem grandes competências por um preço mais baixo do que custaria produzir esses insumos, podem reduzir o preço do seu produto final. Isso permite-lhes afastar concorrentes estrangeiros em casa e competir de forma mais efectiva no exterior. A Alemanha e o Japão têm forças de trabalho qualificadas caras, mas as suas empresas são capazes de competir nos mercados mundiais precisamente porque podem terceirizar etapas de produção de alto custo e que não exigem grandes competências.

 

As importações de baixo custo, em vez de "destruírem" os empregos dos americanos estão, na verdade, a sustentá-los. E quando as empresas conseguem crescer como resultado da sua maior competitividade no país e no exterior, criam ainda mais empregos. Mas se as empresas tiverem de comprar insumos locais de elevado custo, terão que reduzir os seus lucros ou aumentar o preço dos seus produtos. Com lucros reduzidos, têm menos possibilidades de crescer e contratar mais trabalhadores; e se perderem dinheiro, podem ter que despedir trabalhadores. Mas o aumento dos preços significará provavelmente a perda de quota de mercado, o que implica um número mais reduzido de funcionários para corresponder às exigências da procura.

 

O IDE também ajuda muitas vezes a salvar empregos nos EUA, quando as empresas que enfrentam a concorrência do exterior têm de escolher entre subcontratar a outros países tarefas que exigem poucas qualificações ou fechar portas. A subcontratação de determinadas tarefas pode aumentar a rentabilidade global do processo de produção, mas também pode obrigar as empresas a divulgar propriedade intelectual e know-how. Com o IDE, as empresas podem manter o controlo sobre os processos patenteados e aumentar o emprego nas suas instalações nos Estados Unidos.

 

Uma última consideração é que os países exportadores terão de corrigir a sua balança de pagamentos se os seus rendimentos decorrentes das exportações caírem significativamente. Por exemplo, se os EUA decidirem restringir as importações, muitos dos seus parceiros comerciais também reduzirão as suas importações, porque deixarão de conseguir financiá-las. Em quase todo o mundo, os lucros das exportações financiam importações, portanto, se as importações dos EUA caírem, as exportações dos EUA cairão aproximadamente na mesma proporção.

 

Se isso acontecer, vão perder-se empregos nas indústrias exportadoras, juntamente com empregos criados pelas importações. E mesmo que alguns dos estivadores, camionistas, empregados da sede e outros encontrem novos empregos nas indústrias que substituam os serviços relacionados com a importação, provavelmente terão que aceitar um salário mais baixo.

 

Dada esta dinâmica, porque é que o emprego na indústria em relação ao emprego total nos Estados Unidos diminuiu? A concorrência das importações e dos acordos comerciais preferenciais, como o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano de 1994, dividem as culpas por estes dias. Mas nenhum deles se tornou um factor relevante até muito depois de o emprego industrial - que atingiu o pico no final da década de 1970 – ter começado a cair.

 

Uma explicação parcial é que as empresas têm subcontratado mais serviços, de modo que a participação do emprego directo no sector industrial pode parecer ter caído, embora o número de empregos associados à produção de uma empresa possa não ter mudado.

 

Mas a maioria dos analistas atribui o declínio do emprego na indústria transformadora à melhoria da produtividade. As empresas americanas não tiveram escolha a não ser desenvolver ou adoptar novas técnicas, processos e tecnologias para se manterem competitivas. Para que o emprego no sector industrial acompanhasse o aumento da produção e do valor agregado do sector, a procura teria que ter aumentado muito mais rapidamente, ou os americanos teriam que ter travado o crescimento da produtividade. A última opção é a melhor maneira de tornar a América pobre novamente.

 

Anne Krueger, antiga economista-chefe do Banco Mundial e antiga directora-geral adjunta do Fundo Monetário Internacional, é professora de Economia Internacional na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins e membro sénior do Centro de Desenvolvimento Internacional, da Universidade de Stanford.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio