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02 de Janeiro de 2013 às 09:53

A era da repressão financeira

Imediatamente após a reeleição, o presidente dos EUA, Barack Obama, voltou a sua atenção para a necessidade de abrandar o crescimento da dívida do país.

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Imediatamente após a reeleição, o presidente dos EUA, Barack Obama, voltou a sua atenção para a necessidade de abrandar o crescimento da dívida do país. Na verdade, quase todos os países ocidentais estão a implementar políticas para reduzir o volume de dívida pública ou, pelo menos, travar o seu crescimento.


No seu amplamente citado artigo, "Growth in a Time of Debt", Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart defendem que, quando a dívida pública supera os 90% do PIB, os países registam um crescimento económico mais lento. A dívida de muitos países ocidentais encontra-se próxima, e em muitos casos, acima desse limiar crítico.


Na verdade, segundo a OCDE, até ao final de 2012, o rácio entre a dívida pública e o PIB dos EUA vai subir para 108,6%. A dívida pública da Zona Euro situa-se nos 99,1% do PIB, liderada pela França, onde o rácio deve chegar aos 105,5%, e o Reino Unido, que vai chegar aos 104,2%. Até a disciplinada Alemanha terá encerrado 2012 com um rácio de 88,5%. Os países podem reduzir a sua dívida diminuindo o défice orçamental ou alcançando um superavite primário. Isso pode conseguir- se através do aumento de impostos, cortes na despesa pública, crescimento económico mais rápido, ou alguma combinação destes componentes.


Quando a economia está a crescer, os estabilizadores automáticos fazem o seu trabalho. À medida que mais pessoas trabalham e ganham mais dinheiro, aumentam as obrigações tributárias e diminuem as prestações sociais, como por exemplo o subsídio de desemprego. Com mais receitas e menos despesas, o défice orçamental diminui.


Mas em tempos de crescimento económico mais lento, as opções que estão à disposição das autoridades são sombrias. O aumento dos impostos não só é impopular, como pode também ser contraproducente, dado que a tributação já é muito elevada em diversos países. Também é difícil conseguir apoio público para cortes na despesa do Estado. Como resultado, muitos políticos ocidentais estão à procura de soluções alternativas - muitas das quais podem ser classificadas de repressão financeira.


A repressão financeira ocorre quando os governos tomam medidas para canalizar para si fundos que, num mercado desregulado, iriam para outro sítio. Por exemplo, muitos governos implementaram normas para os bancos e companhias de seguros que aumentam a quantidade de dívida que eles possuem.


Consideremos as regras bancárias internacionais Basileia III. Entre outras coisas, as normas de Basileia III estabelecem que os títulos da dívida pública classificados entre AAA e AA- não requerem absolutamente nenhum capital por parte dos bancos que os detêm. Além disso, os investimentos em títulos emitidos pelos seus governos não têm exigências de capital, independentemente do "rating".


Ao mesmo tempo, os bancos centrais ocidentais estão a utilizar outro tipo de repressão financeira mantendo taxas de juro reais negativas, o que permite pagar o serviço da dívida de forma gratuita. A taxa de juro do BCE encontra-se nos 0,75%, enquanto a taxa de inflação anual da Zona Euro é de 2,5%. Da mesma forma, o Banco de Inglaterra mantém a taxa de juro nos 0,5%, apesar da taxa de inflação superar os 2%. E, nos EUA, onde a inflação é superior a 2%, a taxa de juro de referência da Reserva Federal permanece num nível histórico de 0-0,25%.


Além disso, dado que o BCE, o Banco de Inglaterra e a Reserva Federal estão a aventurar-se no mercado de capitais - através da flexibilização quantitativa (QE) nos EUA e Reino Unido, e através do programa de "transacções monetárias directas" (OMT) do Banco Central Europeu na Zona Euro - as taxas de juro reais de longo prazo também são negativas (a taxa de juro real a 30 anos nos EUA é positiva, mas por pouco). Estas tácticas, através das quais os bancos são "convidados", não coagidos, a investir em dívida pública, constituem uma repressão financeira "suave". Mas os governos podem ir além de tais métodos, exigindo que as instituições financeiras mantenham ou aumentem os seus investimentos em dívida pública, tal como fez a Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido em 2009.


Da mesma forma, em 2011, os bancos espanhóis aumentaram os seus empréstimos ao governo em quase 15%, apesar do governo espanhol se ter tornado menos merecedor de crédito. Um banqueiro italiano disse uma vez que os bancos seriam enforcados pelo Ministério das Finanças se vendessem parte das suas carteiras de dívida pública. E um banqueiro português declarou que, embora os bancos devessem reduzir a sua exposição à dívida pública de risco, a pressão do governo para comprarem mais dívida era esmagadora. Além disso, em países como França, Irlanda e Portugal, os governos "assaltaram" os fundos de pensões para financiar os seus défices orçamentais. O Reino Unido está a preparar-se para tomar uma decisão semelhante ao "permitir" que os fundos de pensões dos governos locais invistam em projectos de infra-estrutura.


O financiamento directo ou indirecto dos défices orçamentais costumava considerar-se um dos pecados mais graves que um banco central podia cometer. A flexibilização quantitativa (QE) e as transacções monetárias directas (OMT) são simplesmente as novas encarnações dessa velha transgressão. Tais políticas dos bancos centrais, juntamente com Basileia III, indicam que a repressão financeira irá provavelmente definir o panorama económico, pelo menos, por mais uma década.

 

 

Sylvester Eijffinger é professor de Economia Financeira na Universidade de Tilburg, na Holanda. Edin Mujagic é economista monetário na Universidade de Tilburg. 

 


Project Syndicate
Tradução: Ana Rita Faria

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