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Carl Benedikt Frey 06 de Agosto de 2014 às 15:56

A destruição criativa do trabalho

Ao longo da história, os progressos tecnológicos criaram enormes riquezas mas causaram igualmente grandes perturbações.

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Por exemplo, a indústria do aço nos Estados Unidos da América (EUA) sofreu uma importante transformação na década de 1960, quando as grandes empresas de siderurgia entraram em falência devido às mini-siderurgias. Isto destruiu a base económica de cidades como Pittsburgh, na Pensilvânia, e Youngstown, no Ohio. Contudo, estas mini-siderurgias aumentaram significativamente a produtividade e criaram novos tipos de trabalho em outros locais. 

 

A história do aço nos Estados Unidos ilustra uma lição importante sobre o que o economista Joseph Schumpeter apelidou de "destruição criativa". O crescimento económico de longo prazo envolve mais do que aumentar a produção das fábricas existentes. Implica também mudanças estruturais no emprego.

 

Podemos observar um fenómeno semelhante com a actual revolução nas tecnologias de informação e de comunicação (TIC), que afectou a maioria das áreas de trabalho modernas, mesmo aquelas que não estão directamente associadas com programação computacional ou engenharia de software. As tecnologias informáticas geraram novos negócios prósperos (até mesmo clusters de empresas) e, ao mesmo tempo, tornaram certos trabalhadores da indústria supérfluos e fizeram com que as antigas cidades produtivas entrassem em declínio.

 

Mas cidades como Detroit, Lille e Leeds não sofreram devido à queda da produção industrial. Pelo contrário. A produção tem vindo a crescer nestas cidades durante a última década. Em vez disso, o seu declínio está directamente relacionado com o facto de terem falhado em atrair diferentes tipos de empregos. Em larga medida, é uma falha política. Em vez de tentarem preservar o passado apoiando as antigas indústrias, as autoridades deviam focar-se em gerir a transição para novas formas de trabalho. Isto exige um melhor entendimento das tecnologias emergentes e como diferem daquelas que estão a substituir.

 

Uma característica importante das tecnologias iniciais da Revolução Industrial foi que estas substituíram os artesãos relativamente hábeis - o que em troca provocou um aumento da procura por trabalhadores não qualificados. Da mesma maneira, a linha de produção de Henry Ford para a produção de automóveis – introduzida em 1913 – foi especificamente desenhada para que empregados não qualificados operassem máquinas e, por conseguinte, permitisse que a empresa produzisse os seus populares Modelos T - o primeiro carro que estava ao alcance da classe média norte-americana.

 

De facto, grande parte da história do desenvolvimento industrial durante o último século pode ser visto em termos de competição entre uma força de trabalho, cada vez mais educada, e novas tecnologias que dispensam as competências dos trabalhadores. Já vimos o impacto – não apenas no sector automóvel – dos robôs que conseguem desempenhar trabalhos de rotina que antes eram desenvolvidos por milhares de trabalhadores da linha de montagem de rendimentos médios.

Vão existir mais transformações nos locais de trabalho. A história aconselha precaução na forma como se antecipa que o progresso tecnológico vá evoluir, mas temos já uma ideia razoável sobre o que vão ser capazes de fazer os computadores num futuro próximo, porque as tecnologias estão já desenvolvidas. Sabemos, por exemplo, que um elevado número de profissões qualificadas podem ser simplificadas com a ajuda de grandes quantidades de dados ("big data") e algoritmos sofisticados. 

 

Um exemplo citado frequentemente deste processo é a plataforma Symantec Clearwell eDiscovery que utiliza a análise de linguagem para identificar conceitos gerais em documentos, podendo mesmo analisar e classificar mais de 570 mil documentos em apenas dois dias. Clearwell está a transformar as profissões jurídicas ao utilizar computadores para ajudar nas pesquisas que antecedem os julgamentos, desempenhando tarefas que normalmente são realizadas por assistentes jurídicos – e mesmo por advogados especialistas em contractos e patentes.

 

Da mesma maneira, as melhorias na tecnologia de sensores significa que muitos dos postos de trabalho em áreas como o transporte e logística rapidamente vão ser automatizados. E não é exagerado imaginar que tal como a Google desenvolveu um carro que se conduz sozinho, condutores de autocarros e taxistas vão ser redundantes um dia. Mesmo as ocupações até agora seguras e que exigiam poucas habilitações podem não escapar a esta automatização. A procura por robôs pessoais e familiares, por exemplo, está actualmente a crescer em cerca de 20% ao ano.

 

Os mercados de trabalho podem novamente estar a entrar numa nova era de turbulência tecnológica e de aumento das desigualdades salariais. E isto destaca uma questão mais ampla: onde vão ser criados os novos tipos de trabalho? Há já alguns sinais do que vai ser o futuro. Os progressos tecnológicos estão a gerar procura por arquitectos e analistas de grandes dados, especialistas em serviços na cloud, especialistas no desenvolvimento de software e profissionais de marketing digital – profissões que praticamente não existiam há apenas cinco anos.

 

A Finlândia dá lições valiosas sobre como as cidades e os países deviam adaptar-se a estes desenvolvimentos. A sua economia inicialmente foi afectada pelo fracasso da sua maior empresa, a Nokia, em adaptar-se às tecnologias dos smartphones. Ainda assim, desde então, várias start-ups finlandesas construíram novas empresas com base neste tipo de plataformas. De facto, em 2011, muitos antigos funcionários da Nokia tinha criado 220 negócios deste género. E a Rovio, que vendeu mais de 12 milhões de cópias do seu jogo de vídeo para smartphones tem muitos ex-funcionários da Nokia.

 

Esta transformação não é uma coincidência. O investimento intensivo da Finlândia em educação criou uma força de trabalho resiliente. Ao investir em competências transferíveis que não estão limitadas a negócios e indústrias específicas, ou susceptíveis à informatização, a Finlândia deu uma imagem de como adaptar-se às alterações tecnológicas.

 

Apesar da difusão de tecnologias baseadas em grandes dados, as pesquisas sugerem que o trabalho vai continuar a ter uma vantagem comparativa na inteligência social e na criatividade. As estratégias de desenvolvimento dos Governos devem, por isso, focar-se em reforçar essas competências para que complementem, e não concorram, com as tecnologias informáticas. 

 

Carl Benedikt Frey é investigador assistente na Oxford Martin School, na Universidade de Oxford, e doutor em História da Economia na Universidade de Lund.?

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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