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10 de Janeiro de 2017 às 20:00

A Europa vai deixar a Alemanha liderar?

A Europa estaria melhor hoje se o Governo da Alemanha tivesse seguido os mesmos caminhos que os seus homólogos de França, Reino Unido ou Itália nos últimos anos?

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A vitória do Brexit no Reino Unido, a derrota do referendo do primeiro-ministro italiano Matteo Renzi e a sua subsequente renúncia, e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos criaram um vácuo de poder no Ocidente e na Europa. Numa altura em que a Europa precisa de tomar importantes decisões colectivas em matéria de política económica e externa, problemas internos preocupam os Estados-membros da União Europeia, como França, Reino Unido, Espanha e Itália. Consequentemente, há uma crescente pressão sobre a chanceler alemã Angela Merkel e o seu governo para avançarem e liderarem.

 

Mas ainda que a Alemanha queira mostrar liderança, precisa de parceiros europeus dispostos a comprometerem-se. Os críticos alemães têm razão ao afirmar que poderiam ser mais abertos às propostas políticas de outros Estados-membros, mas muitas das queixas contra a Alemanha têm sido injustas - e muitas vezes egoístas.

 

Por exemplo, o Governo alemão tem sido acusado de rejeitar a solidariedade europeia em resposta à crise financeira de 2008. Mas, embora as medidas alemãs, por vezes, tenham chegado demasiado tarde ou sido mal concebidas - como a sua proposta do "Grexit temporário" - o Governo da Alemanha também concordou com numerosos programas de assistência financeira, a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade e uma união bancária da UE. Além disso, a Alemanha suportou o maior fardo financeiro.

 

A Alemanha também tem sido criticada por não concordar em subscrever Eurobonds e por se opor a uma união de transferência. Mas esses argumentos nem sempre foram feitos de boa-fé: Estados-membros como França querem dividir riscos sem cederem soberania suficiente sobre a formulação de políticas económicas. O Governo e os cidadãos da Alemanha estão mais abertos do que a maioria à integração mais profunda que é necessária para tornar o euro sustentável, incluindo a união orçamental. Mas, para conseguir isso, todos os parceiros precisam de avançar, em termos de partilha de soberania política e risco.

 

Uma terceira crítica contra a Alemanha é a de que pratica um comportamento de "beggar-thy-neighbor" [políticas económicas internas que criam benefícios impondo custos sobre outros países], perseguindo políticas orçamentais restritivas que criaram um grande excedente em conta corrente, de cerca de 9% do PIB. Isso realmente tem sido um erro. Mas o problema é da Alemanha, em primeiro lugar. Embora o país tenha uma grande lacuna de investimento que prejudica a produtividade e o crescimento internos, não é o principal responsável pelo crescimento tépido, o alto desemprego, a baixa competitividade e outros males económicos noutras partes da Europa.

 

É verdade que muitos políticos alemães têm estado equivocados na sua obsessão com a austeridade orçamental e com as suas críticas à abordagem da política monetária do Banco Central Europeu. Mas estão compreensivelmente frustrados com o ritmo lento das reformas económicas em toda a UE. Em geral, os alemães são profundamente pró-europeus, e o Governo alemão tem feito mais pela Europa do que é reconhecido.

 

Erros de liderança são fáceis de identificar e criticar em retrospectiva. Um exercício mais construtivo é julgar as decisões no contexto da informação que estava disponível no momento em que foram tomadas e aplicar as lições do passado às escolhas futuras. Com o benefício de uma visão retrospectiva, o Governo alemão - na verdade, qualquer governo - teria agido de forma diferente em relação à crise da dívida grega, à política orçamental, ao referendo do Brexit, e assim por diante. Por isso mesmo, um referencial mais justo para a liderança alemã são os próprios históricos de outros grandes governos europeus. A Europa estaria melhor hoje se o Governo da Alemanha tivesse seguido os mesmos caminhos que os seus homólogos de França, Reino Unido ou Itália nos últimos anos?

 

Mesmo que Merkel se tenha atrasado na resposta às crises em Itália e na Grécia, ela também demonstrou uma tolerância extraordinária, abertura de espírito e capacidade de previsão. Em duas áreas-chave - na crise dos refugiados e na abordagem à agressão russa – o seu Governo mostrou mais solidariedade europeia do que a maioria dos outros Estados-membros.

 

Além disso, Merkel demonstrou uma liderança sólida na sua resposta à vitória de Trump. Cumprimentou-o e ofereceu-lhe uma relação de trabalho próxima, mas apenas com base em "valores comuns", como "democracia, liberdade e respeito pelo Estado de Direito e pela dignidade de cada pessoa". Ela também é a parceira mais importante e mais simpática para o Governo do Reino Unido nas negociações para o Brexit que se aproximam.

 

O índice de aprovação de Merkel continua a ser a inveja de outros líderes europeus, e ela pode ser a última chefe de governo fundamentada e não-populista entre os maiores países ocidentais. O referendo sobre as reformas constitucionais de 4 de Dezembro, em Itália, pode ter sido o último alerta para que a Europa se una para enfrentar as divisões sociais, o extremismo político e o aprofundamento das crises económicas e políticas.

 

O Governo alemão deve aprender com os seus erros do passado e continuar a marcar posição como líder para a Europa. Mas não pode fazê-lo sozinho. Outros governos da UE devem parar de criticar a Alemanha como uma forma de desviar a atenção das suas próprias falhas. Nos últimos anos, os seus ataques foram longe de mais e foram contraproducentes. A Alemanha necessita que os seus parceiros se sentem à mesa e se empenhem num diálogo construtivo sobre soluções concretas para o aprofundamento da crise na Europa.

 

Marcel Fratzscher, antigo gestor no Banco Central Europeu, é presidente do think tank DIW Berlin e professor de Macroeconomia e Finanças na Humboldt University, Berlim.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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