Opinião
A arte da integração europeia
Para que a União Europeia continue a ser um farol de abertura e de democracia liberal, deve prosseguir com a integração.
O ano passado foi cheio de desenvolvimentos marcantes. Além da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, algumas das fraquezas da União Europeia foram totalmente expostas, em particular com a decisão do Reino Unido de sair. Mas o Brexit não tem de prenunciar a morte da União. Em vez disso, pode funcionar como um alerta, estimulando medidas para resolver os problemas da União Europeia.
Alguns líderes europeus estão a tentar responder a esse alerta, exortando os Estados-membros da UE a "completar a União". Sem o Reino Unido, argumentam eles, será mais fácil avançar na integração, já que os restantes membros são um pouco menos heterogéneos e, portanto, mais susceptíveis a concordar com as medidas a que o Reino Unido se teria oposto.
Um desses passos - e um foco constante de atenção desde o início da crise do euro - é uma união bancária. Embora já tenham sido realizados progressos substanciais nesta vertente, a integração bancária europeia está longe de estar completa. Os planos inacabados incluem um regime de garantia de depósitos, bem como a criação de uma tranche sénior de activos soberanos seguros, ou de títulos sem risco na Zona Euro.
Outro passo potencial, motivado pela profunda assimetria no desempenho económico dos países da Zona Euro durante a crise, seria um sistema de subsídio de desemprego comum, em que as prestações cíclicas seriam financiadas pelo orçamento da UE. Por último, a crise dos refugiados conduziu a um debate sobre um regime comum para controlar as fronteiras externas da UE, alocar os requerentes de asilo aos países membros e financiar a sua integração.
Todas estas - e muitas outras - ideias foram amplamente discutidas, e elaboradas ao ponto de terem surgido medidas que se podem pôr em prática. No entanto, foram feitos poucos progressos. O Reino Unido, afinal, está longe de ser a única fonte de resistência política a uma integração mais profunda.
Evidentemente, cada proposta específica determina aqueles que se opõem a ela, porque todas tendem a beneficiar mais uns do que outros. Em alguns casos, uma proposta pode resultar em maiores ganhos de longo prazo para todos, mas implicar custos iniciais significativos para determinados países. Numa altura em que alguns dos principais países membros da UE estão a preparar-se para eleições nacionais, e quando políticos anti-sistema estão a destituir partidos moderados, muitos líderes nacionais não estão dispostos a arriscar o seu capital político para levar essas reformas adiante.
Mas, e se as reformas fossem mais atractivas? Romper a resistência política pode ser tão simples como agrupar as propostas de outra forma. As propostas com maiores benefícios para alguns poderiam ser combinadas e contrabalançadas por aquelas com maiores benefícios para outros, e os custos de curto prazo de uma política poderiam ser compensados pelos ganhos de curto prazo de outra.
Consideremos os esforços para enfrentar a crise dos refugiados. Quando ficou claro que alguns países, particularmente na Europa Central, não estavam dispostos a aceitar quotas de refugiados impostas pela UE, propôs-se que os requerentes de asilo fossem autorizados a escolher onde queriam estabelecer-se. O orçamento da UE cobriria os custos, potencialmente através da emissão de obrigações seguras.
Mas esta ideia também pode enfrentar resistência, porque os países que atraem mais refugiados são aqueles que já têm economias mais fortes e, por conseguinte, necessitam menos do financiamento da UE. A solução seria introduzir outra medida, produzindo transferências no sentido oposto, em paralelo com a política de refugiados.
O melhor candidato para este papel pode muito bem ser o regime comum de subsídio de desemprego. Os países que são indesejáveis para os refugiados, devido ao elevado desemprego cíclico, beneficiariam desproporcionalmente de tal política, especialmente a curto prazo. A expectativa de que essas transferências sejam eventualmente compensadas por fundos de acolhimento de refugiados pode ser a solução para que os países com baixo índice de desemprego não se oponham.
Sobre a questão dos refugiados, em particular, pode haver complicações adicionais. A resistência social à imigração num país como a Alemanha, alimentada por ataques terroristas e retórica política populista, poderia minar a atractividade de um programa deste tipo. Mas, nesse caso, o pacote de políticas específicas poderia ser ajustado.
Agrupar as reformas para as tornar mais atractivas pode soar a uma técnica comercial básica. Mas não se trata apenas de acordos e cedências do quotidiano. Em vez disso, trata-se de completar - e assim proteger - a UE, construindo um conjunto mais sustentável de instituições. Para que a União Europeia continue a ser um farol de abertura e de democracia liberal, deve prosseguir com a integração. Se é para avançar, os seus líderes terão de garantir que todos os membros beneficiam igualmente ao longo do caminho.
Sergei Guriev é economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Rita Faria