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Sergei Guriev 28 de Janeiro de 2018 às 14:00

Um novo modelo de crescimento para os vizinhos da Europa

Um novo modelo de crescimento para os vizinhos da Europa tem de envolver também um reequilíbrio do sistema financeiro. Dado o legado da Grande Recessão, em termos de crédito malparado, o financiamento de novos investimentos chegará através de acções e não de dívida.

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Mais de dez anos depois da crise financeira, a economia mundial está finalmente a viver uma recuperação ampla. A Europa e os seus vizinhos não são excepção: a economia cresce em quase todos os países da Europa Central e do Leste, na Ásia Central, no Médio Oriente e no Norte de África, bem como na Rússia e na Turquia. O crescimento acelerou no último ano e as projecções indicam que deve continuar robusto. Ainda assim, estão a surgir novos desafios. Desafios que, se não forem abordados, vão diminuir as perspectivas económicas para estas regiões.

 

Como mostra o novo relatório de transição do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (EBRD, na sigla em inglês), antes da Grande Recessão, os países da Europa e os seus vizinhos mais próximos estavam a ultrapassar as economias emergentes. Nos últimos anos, contudo, os ventos mudaram e a lacuna entre as economias está a crescer.

 

A explicação é simples. Anteriormente, a Europa e os seus vizinhos tinham um elevado crescimento da produtividade total dos factores (TFP na sigla em inglês). Ao eliminar muitas das ineficiências herdadas do seu passado (socialista ou de outro género), estes países estavam, cada vez mais, a dar bom uso ao capital e ao trabalho.

 

Mas, em 2009, os frutos que estavam mais próximos do chão tinham já sido colhidas e o investimento em capital fixo caiu para um nível inferior ao das economias emergentes em outras geografias. Estes países tiveram de lidar com elevados montantes de crédito malparado, herdado da crise, e decidiram focar a sua atenção na desalavancagem, o que fez com que o crescimento do investimento e do TFP estagnasse.

 

Os países na Europa e os seus vizinhos – mesmo aqueles cujas economias estão menos desenvolvidas – não podem basear o crescimento de longo prazo na vantagem comparativa que os baixos salários representam. Em vez disso, têm de lançar as bases para modelos de crescimento orientados para o futuro, sustentados no capital humano e na inovação.

 

Isto exige, antes de mais nada, uma integração mais profunda na economia mundial. Hoje em dia, o acesso a grandes mercados é vital para gerar incentivos ao crescimento da inovação e da produtividade. Os países da União Europeia beneficiam, obviamente, do mercado único. Contudo, para tirarem partido das economias de escala, os países emergentes da Europa, Médio Oriente e Norte de África (MENA, na sigla inglesa) vão ter reduzir as barreiras comerciais e melhorar a conectividade.

 

Em termos concretos, isto significa que os países emergentes na Europa e os MENA precisam de investir mais em infra-estruturas. E, de acordo com a estimativa presente no relatório de transicção, nestas regiões as necessidades de investimento em infra-estruturas ascendem a 2,2 biliões de euros. Para dar resposta, os países que enfrentam limitações orçamentais vão ter de mobilizar recursos privados, através de parcerias público-privadas.

 

Os actores dos países desenvolvidos preocupam-se frequentemente que os investimentos em infra-estruturas nos países emergentes tenham como resultado "estradas para lado nenhum", com o dinheiro a ser canalizado para regiões onde ninguém vive ou para regiões em que os residentes estejam desejosos de sair, usando para isso as novas estradas. Mas este não tem de ser o caso.

 

A Turquia é um exemplo. Em 2002, o país levou a cabo um grande esforço para transformar, em cerca de dez anos, 25% da sua rede viária em vias com duas faixas. A análise presente no relatório de transição do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento mostra que este investimento teve um grande impacto no comércio doméstico e criou empregos na região oriental do país que, anteriormente, era subdesenvolvida. À medida que os países tentam atrair financiamento para os seus projectos de infra-estruturas deviam aprender com estes sucessos – e estarem atentos a potenciais doadores.

 

Desenhar estratégias efectivas para o investimento de longo prazo em infra-estruturas exige dar atenção a outra área fundamental: o ambiente. Os países têm de antecipar as mudanças regulatórias que vão surgir, à medida que tentam, digamos, cumprir os seus compromissos assumidos no âmbito do acordo do clima de Paris.

 

Esta abordagem está em linha com o consenso de mercado. Usando a base de dados FTSE Russell Low Carbon Economy, o EBRD descobriu que, apesar das empresas mais ecológicas continuarem a ser menos rentáveis do que as suas homólogas menos sustentáveis (estas empresas mais ecológicas são mais jovens e mais pequenas), as empresas mais ecológicas estão a crescer rapidamente.

 

Mas foi descoberto algo que é, talvez, mais importante: essas firmas com uma percentagem elevada de receitas verdes têm avaliações bolsistas (rácio preço-rendibilidade) mais elevadas, mesmo que o retorno actual da acção seja mais baixo do que o dos pares não-ecológicos. Isto sugere que os investidores esperam um crescimento mais forte dos segmentos de mercado ecológicos ou, pelo menos, atribuem mais valor ao apoio de firmas mais verdes.

 

Nos locais onde os combustíveis fósseis têm um preço adequado, as empresas reconhecem os benefícios das tecnologias mais eficientes em termos energéticos e mais ecológicas. Infelizmente, muitos países continuam a ter em vigor subsídios energéticos substanciais, que têm de ser gradualmente eliminados para impulsionar a mudança para uma economia verde. Para assegurar que as famílias mais necessitadas não sofrem, a retirada dos subsídios pode ser compensada por uma assistência específica, como foi feito recentemente na Bielorrússia, Egipto e Ucrânia.

 

Um novo modelo de crescimento para os vizinhos da Europa tem de envolver também um reequilíbrio do sistema financeiro. Dado o legado da Grande Recessão, em termos de crédito malparado, o financiamento de novos investimentos chegará, provavelmente, através de acções e não de dívida. Felizmente, os investidores em acções também estão orientados para o longo prazo e estão, cada vez mais, disponíveis para comprarem activos mais ecológicos.

 

Ainda assim, uma maior dependência da participação de capital vai exigir uma melhor governação estatal e das empresas, apoiada no Estado de Direito. Alcançar isto não vai ser fácil. Mas a investigação do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento sugere que, pelo menos no caso dos vizinhos europeus, o progresso não vai beneficiar apenas a economia – incluindo através da promoção do investimento e da inovação – mas também o ambiente e a sociedade como um todo. Esse é um investimento que vale a pena fazer.

 

Sergei Guriev é o economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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