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27 de Dezembro de 2012 às 00:01

A fuga airosa da banca

Este ano provou ser mais um ano repleto de esforços inúteis para gerir a desmedida influência que os bancos e banqueiros têm sobre a economia mundial. O sistema financeiro global continua distorcido e perigoso.

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Desde a década de 1980, o "valor accionista" tem-se tornado cada vez mais o foco da "corporate governance". Gestores e membros do conselho de administração são frequentemente remunerados em acções, o que lhes dá direitos de propriedade sobre o capital e, por sua vez, cria um poderoso incentivo à maximização do valor de mercado das acções das suas empresas.

Mas, muito frequentemente, as iniciativas assumidas em nome do valor accionista beneficiam apenas aqueles cuja riqueza está estreitamente associada aos lucros da empresa, o que pode na verdade ser prejudicial a muitos accionistas. Apesar de eles dizerem que estão a promover o valor accionista, as iniciativas dos gestores de topo, em particular, reflectem muitas vezes apenas os seus próprios interesses em vez dos interesses dos accionistas, que habitualmente detêm a grande maioria das acções.

Esta discrepância pode ser claramente observada no sector da banca. Antes de 2007, os bancos tinham elevados retornos e as suas acções disparavam em bolsa. Mas o excessivo endividamento e as perdas decorrentes dos investimentos de risco que foram feitos desencadearam a crise financeira global e conduziram à falência, ou quase falência, de muitas instituições financeiras importantes.

Os bancos com uma substancial dívida pendente reduziram a concessão de crédito, apesar da forte intervenção dos governos e dos bancos centrais, e a crise arrastou a economia mundial para o fundo. Consequentemente, desde 2008, os accionistas perderam bastante com os seus investimentos na banca. A crise – de par com a prolongada contracção económica que se seguiu – levou a que os accionistas mais diversificados também perdessem dinheiro com os seus investimentos.

Além disso, muitos accionistas da banca foram afectados pelo aperto do crédito, tanto directamente como através das suas empresas ou entidades patronais. Alguns perderam até os seus empregos. E, de par com outros contribuintes, incorreram nalguns dos custos dos resgates.

No entanto, apesar das fortes perdas sobre as suas posições accionistas em 2007-2008, os banqueiros de topo saíram-se significativamente melhor do que a maioria dos seus accionistas em 2000-2008. Até mesmo os executivos dos bancos de investimento falidos Bear Stearns e Lehman Brothers ‘safaram-se’ com centenas de milhões de dólares de compensações, ao passo que os accionistas dessas entidades, que receberam alguns dividendos pelo caminho, se saíram bem pior – já para não falar de outras perdas que sofreram devido à crise.

Para salvaguardarem os seus interesses, os banqueiros têm feito uma implacável pressão contra a regulação que visa obrigá-los a depender menos do dinheiro que pedem emprestado e mais dos lucros retidos ou de novo capital para financiarem a concessão de crédito e os investimentos. Eles aludem à necessidade de oferecerem elevados retornos aos accionistas, deixando implícito que uma regulação mais apertada vai penalizar os interesses dos accionistas.

No entanto, os bancos mais seguros, menos endividados, estão em melhor posição para continuarem a conceder crédito sem ficarem em apuros ou precisarem de apoios. Desta forma, é menos provável que estes bancos desestabilizem o sistema financeiro global ou que prejudiquem a maioria dos accionistas e dos contribuintes.

Os banqueiros argumentam também que requisitos mais elevados em matéria de capital irão restringir o crédito e impedir o crescimento económico. Mas os seus argumentos apresentam falhas e são enganosos. A título de exemplo, eles usam o retorno sobre o capital como principal medida de rentabilidade, mas depois não fazem a distinção entre retorno sobre o capital e valor accionista. Com efeito, na busca determinada de retornos mais elevados, os banqueiros podem expor os accionistas a um risco excessivo, sem os compensarem de forma adequada. E os banqueiros não reconhecem o papel das garantias governamentais e dos subsídios em tornar tanto endividamento possível e atractivo.

Contrariamente às reivindicações dos banqueiros, o significativo aumento dos requisitos de capital, que salvaguarda a estabilidade do sistema financeiro, é do interesse público – incluindo o interesse da maioria dos accionistas. Em contrapartida, manter tudo como está, ou implementar uma regulação inadequada, permitirá que os banqueiros continuem a lucrar a expensas de outros.

Os pequenos accionistas não podem facilmente influenciar as decisões dos bancos, especialmente em questões complexas relacionadas com o risco. E os conselhos de administração dos bancos, que exercem o derradeiro controlo, não são juridicamente chamados a avaliar o impacto mais vasto, sobre os outros, das suas acções. Em vez disso, a perspectiva tacanha das administrações – que tende a coincidir com as preferências dos executivos, mesmo que à custa de outros accionistas – é que dita as tomadas de decisão.

Mesmo do estrito ponto de vista dos bancos, a imposição de requisitos de capital mais elevados custaria menos do que outras regulações que foram propostas. E esses requisitos reduziriam a probabilidade de os bancos sólidos serem chamados a financiar a resolução de instituições em falência. (É claro que estas considerações são menos relevantes se os banqueiros esperam conseguir bloquear todas as regulações destinadas a reduzir a excessiva tomada de riscos e a serem resgatados numa crise).

Tal como estão as coisas, os banqueiros continuam a beneficiar plenamente dos ganhos dos seus investimentos, ao passo que partilham as perdas com credores e contribuintes – e por vezes também com os accionistas. Apesar de ter havido algum progresso na melhoria da regulação e da sua execução, os grupos de pressão do sector têm conseguido atrasar reformas cruciais, que são necessárias para garantir a estabilidade financeira global.

O presidente executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, terá alegadamente dito à sua filha que "de cinco a sete anos acontece" uma crise financeira. No mês passado, o banco distribuiu 1,1 mil milhões de dólares em dividendos, reduzindo a sua capacidade para absorver perdas futuras sobre os seus investimentos. Se os legisladores e reguladores não intensificarem os seus esforços de reforma, os contribuintes e accionistas – não os banqueiros como Dimon – serão também quem sofrerá as consequências da próxima crise.

Tradução: Carla Pedro

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