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Daniel Gros - Director do CEPS 11 de Julho de 2015 às 15:00

O fracasso europeu na Grécia

As narrativas importam especialmente quando estão interligadas com interesses difíceis. À medida que a Grécia e os seus credores se aproximavam da catástrofe, tivemos uma imagem clara sobre como as narrativas conflituosas podem levar a um mau resultado.

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Os factos são indiscutíveis. No início de 2010, quando o Governo grego não se conseguia financiar, voltou-se para os parceiros europeus e para o Fundo Monetário Internacional (FMI) para apoio financeiro. E eles deram-no: não apenas outros países da Zona Euro concederam empréstimos à Grécia, mas também o FMI concedeu o seu maior empréstimo de sempre a um país. Mais tarde, a Grécia recebeu ainda mais apoio através dos fundos de resgate da Zona Euro. O resultado foram centenas de milhões de euros em assistência.

 

Mas à medida que o tempo foi passando, a Grécia e os seus credores começaram a ver estes factos de forma muito diferente. À medida que situação económica da Grécia se ia deteriorando, os seus cidadãos começaram a pensar que os empréstimos não pretendiam realmente ajudá-los, mas resgastar os bancos alemães e franceses. Com esta narrativa, os gregos puderam evitar admitir o papel dos erros políticos do seu Governo em empurrá-los para a recessão.

 

Por outro lado, os credores gregos sentiram que tinham generosamente salvo um país extravagante e que estava na bancarrota. Esta narrativa permitiu aos políticos na Alemanha desconsiderar o facto de os bancos do seu país terem financiado os empréstimos helénicos por demasiado tempo.

 

Ambas as narrativas contêm uma larga parte de verdade, mas convenientemente negligenciaram alguns factos importantes. Por exemplo, uma percentagem substancial dos empréstimos dados à Grécia até ao início de 2012 foram de facto para pagar dívida que atingia a maturidade. Mas é provável que os detentores de dívida não sejam mais bancos franceses ou alemães - quem na maior parte das vezes não teria sido capaz de aguentar a incerteza anterior ao resgate de 2012 e ao "haircut" da dívida grega.

 

Na altura em que os Governos da Zona Euro intervieram de forma decisiva, muitos bancos alemães tinham já descarregado as suas participações com perdas para os hedge funds e outros investidores com grande apetite pelo risco. Qualquer que fosse a dívida que tinham, perderam mais de metade do valor que tinham no "haircut". Posto isto, não se pode dizer que os bancos alemães e franceses não tiveram perdas.

 

De forma semelhante, os países credores estavam certos e ajudaram a Grécia, um país que inegavelmente ultrapassou as suas posses durante anos. A ajuda financeira permitiu à Grécia reduzir seu défice orçamental de forma mais lenta do que se tivesse, em 2010 entrado em bancarrota, na medida em que permitiu ao país manter-se ligado aos mercados financeiros. No primeiro trimestre do ano passado a Grécia experienciou uma ligeira aceleração do crescimento e uma ligeira queda no desemprego.

 

O que os credores negligenciaram foi que, com o passar do tempo, a dor provocada pela austeridade começou - na mente de muitos gregos - a suplantar os benefícios da ajuda.

Até há poucos meses, parecia que a Grécia conseguiria alcançar um excedente primário, ainda que pequeno, este ano. Quando o país se voltou para os seus credores em busca de ajuda foi apenas porque não podia fazer face a pagamentos elevados dos empréstimos que venciam. A Grécia tinha cessado de ser "um poço sem fundo". Com um pouco de engenharia financeira, os credores da Grécia poderiam ter adiado alguns pagamentos que o país tinha de fazer este ano - pagamentos, deve ser notado, que todos sabiam que não poderiam ser reembolsados nesta fase - permitindo-lhe continuar com o seu crescimento gradual.

 

Em vez disso, estas narrativas conflituosas criaram uma espiral prejudicial, que incendiou as chamas da animosidade o que levou à eleição de Governo de esquerda na Grécia com um mandato para se opor à austeridade - com resultados desastrosos para os dois lados.

 

Em vez de ajudarem a Grécia a fazer os seus pagamentos, os credores reagiram impondo condições duras para um novo empréstimo que será usado apenas para reembolsar dívida que eles detêm - um ponto que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, enfatizou na sua última proposta.

 

E ainda assim, culpando os credores pelas suas condições "punitivas", como fizeram os negociadores gregos, seria também um erro para esta narrativa simplista uma verdade complicada. Mesmo antes de as negociações serem interrompidas para que a Grécia realizasse o referendo, os dois lados tinham acordado metas orçamentais para a Grécia; o que faltava era determinar como é que os objectivos deveriam ser alcançados. O Governo grego queria subir alguns impostos. Os seus credores acreditavam que esta abordagem iria sufocar ainda mais o crescimento. Por isso, em vez disso, advogavam um aumento da base fiscal através, nomeadamente, da eliminação da taxa de IVA mais baixa nas ilhas gregas.  

 

Apesar da lógica dos credores ser sensata e as suas intenções louváveis, o lado grego defendeu que tal condição representaria uma afronta à soberania do país. Com isso, a sua narrativa modificou-se voltando para o orgulho nacional.

 

Era o clássico "dilema do prisioneiro". Os dois lados sabiam através das negociações tortuosas dos últimos meses que não alcançar um acordo não traria benefícios para ninguém. A economia helénica contrairia ainda mais e os seus credores teriam de aceitar um perdão (write-offs) ainda maior. 

 

Mas os dois lados continuaram presos nas suas respectivas narrativas - narrativas que recentemente interromperam as negociações e levaram apressadamente a um referendo. Agora, o eleitorado grego rejeita as exigências dos credores em nome do orgulho nacional, da democracia e da soberania; os credores estão irritados não apenas com a atitude da Grécia mas também com a falta de fiabilidade do Governo.

 

Salvar a Grécia seria sempre difícil devido aos seus excessos orçamentais anteriores e à sua frágil economia. Mas no ano passado, pareceu que o sucesso estava ao alcance - até ao choque de narrativas ter descarrilado os progressos que ambos os lados tinham feito. Isto mostra um grande problema: falta uma narrativa unificadora na União Europeia, que seja suficientemente forte para evitar a emergência de um conflicto - altamente destrutivo - de narrativas dentro das suas fronteiras. Neste sentido, o fracasso de salvar a Grécia é um fracasso da Europa.

 

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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