Opinião
Virgínia Trigo
“Deveremos comprar a Walmart?” era o título de uma revista chinesa num qualquer dia de 2006. O desejo de compra da maior empresa do mundo, ainda que expresso em forma de interrogação, não deixou de me surpreender, mas Tiger Tang, um ex-aluno de Cantão que
O desejo de compra da maior empresa do mundo, ainda que expresso em forma de interrogação, não deixou de me surpreender, mas Tiger Tang, um ex-aluno de Cantão que me enviou esta notícia, explicou-me que ela era apenas mais outro sinal de mudança na estratégia de orientação da China, ou seja, a de acrescentar valor a montante e a jusante da sua cadeia de produção, neste caso através do controlo da distribuição. Tiger escreve-me ocasionalmente para me informar com orgulho sobre as mais recentes evoluções do seu país no que parece ser uma marcha imparável para o futuro. Agradeço, não é fácil mantermo-nos a par do ritmo da China. Além disso, os emails de Tiger Tang terminam sempre com “todos temos muitas saudades suas” o que é muito gratificante para o meu ego e desperta sempre uma inquieta ternura.
Apesar do seu “nome de guerra”, provavelmente saído de um filme de Bruce Lee, Tiger é um executivo circunspecto que, como todas as pessoas da sua geração e educação, se pode dar ao luxo de mudar de emprego mais do que uma vez por ano escolhendo sempre entre várias opções. Com um entusiasmo que confere às palavras uma qualidade luminosa muito próxima da poesia, eis o que Tang recentemente me escreveu: “Missy, mudei de emprego. Sim, voltei a saltar para o mar outra vez. Agora trabalho numa empresa de alta tecnologia, a Vtron que é uma das 100 maiores empresas de TI da China. Sabe, até 2020, talvez até antes disso, a China vai passar do ‘made in China’ para ‘invented in China’, esse é o projecto do nosso governo. Mais de metade dos líderes do governo central incluindo o número um Hu Jintao, o número dois, Wu Bangguo e o primeiro-ministro, Wen Jiabao, já visitaram a minha empresa. Por isso, quando você vier a Cantão ficaria muito feliz se também a visitasse. Como nós, empresas chinesas, ainda temos muito para fazer, o nosso governo criou agora a CIC. Temos de ir para fora, esta é a nossa saída. Todos temos muitas saudades suas.”
Há algum tempo em preparação, a CIC, Companhia de Investimento Chinês, foi oficialmente lançada em 27 de Setembro de 2007 com uma dotação inicial de 200 biliões de dólares. Está encarregue de investir no estrangeiro as enormes reservas de divisas da China – as maiores do mundo – que poderão ultrapassar os 1,5 triliões de dólares no final deste ano e que têm sido até aqui aplicadas em títulos de tesouro americano e noutros instrumentos seguros mas de baixo rendimento. Com a criação da CIC, a China vai passar a ter uma clara estratégia de investimento na economia real indo às compras no mercado mundial. No cabaz leva duas listas: de uma constam os investimentos em recursos naturais nos países em vias de desenvolvimento; da outra, a aquisição de tecnologias já desenvolvidas, de centros de investigação e de marcas. No frenesim de compras que se antecipa, a Europa pode vir a ter um lugar de relevo sobretudo nas áreas das TI, aeroespacial e defesa. Isto porque, tradicionalmente, as relações da Europa com a China são mais orientadas para oportunidades de negócio do que as dos Estados Unidos ou do Japão que a vêem também como uma ameaça sob o ponto de vista militar.
Cientes das oportunidades em termos de emprego e de dinâmica comercial, alguns políticos europeus já convidaram abertamente a CIC a investir nos seus países. Mas já antes a China não se fizera rogada: em 2006 a China Telecom estabeleceu uma subsidiária na Europa, a Nanjing Auto adquiriu a produção automóvel da MG Rover, a Qianjiang Motor comprou as operações da fábrica de motorizadas Benelli e inúmeras empresas chinesas adquiriram empresas têxteis italianas para aprenderem a tecnologia. Obviamente que a lista não acaba aqui: a China considera a globalização como uma necessidade estratégica indispensável ao seu crescimento.
No que se refere aos recursos, tem estado particularmente activa na América Latina e em África. Com uma necessidade crescente de matérias-primas em geral e de petróleo em particular, o investimento chinês em África tem sido especificamente dirigido a estas áreas ao mesmo tempo que cada vez mais empresas chinesas se estabelecem no continente e abastecem os mercados locais de produtos baratos extremamente compatíveis com o poder de compra das populações. Segundo dados da UNCTAD1, nos últimos seis anos o comércio entre a China e a África quintuplicou: de 11 biliões de dólares em 2000 passou a 56 biliões em 2006 e o país é hoje o maior parceiro comercial da África. Angola, o segundo maior produtor de petróleo do continente tornou-se para a China num parceiro muito especial, o que não deixará indiferentes as empresas portuguesas.
Tiger Tang, por seu lado, gostará de saber o que disse recentemente um líder africano: “Deixemos de olhar para Ocidente onde o Sol se põe e olhemos antes para Oriente onde o Sol se levanta.”
1 United Nations Conference on Trade and Development