Opinião
30 de Julho de 2009 às 11:40
Uma grande oportunidade para os pequenos agricultores
A iniciativa do G-8 no valor de 20 mil milhões de dólares para os pequenos agricultores, lançada na recente cimeira do grupo em L"Aquila, Itália, constitui uma potencial revolução histórica no combate à fome e à pobreza extrema. Com uma séria gestão dos...
A iniciativa do G-8 no valor de 20 mil milhões de dólares para os pequenos agricultores, lançada na recente cimeira do grupo em L'Aquila, Itália, constitui uma potencial revolução histórica no combate à fome e à pobreza extrema. Com uma séria gestão dos novos fundos, a produção de alimentos em África vai disparar. Com efeito, a nova iniciativa, conjugada com outras ao nível da saúde, educação e infraestruturas, poderá ser o maior passo dado até agora no sentido de se concretizarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, uma iniciativa acordada a nível internacional para a redução em 50% da pobreza extrema, das doenças e da fome até 2015.
Entre 2002 e 2006, liderei o Projecto Milénio das Nações Unidas, que visa concretizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, para o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan.
Um marco do projecto teve a ver com os pequenos agricultores, que são as famílias rurais de África, da América Latina e da Ásia, que lavram terrenos agrícolas com cerca de um hectare ou menos. Tratam-se das famílias mais pobres do mundo e, ironicamente, também algumas das mais famintas, apesar de serem produtoras de alimentos.
Estas famílias têm fome porque não têm capacidade para comprar sementes de alto rendimento, equipamento de irrigação e outros instrumentos necessários para aumentar a produtividade. Consequentemente, a sua produção é magra e insuficiente para a sua subsistência. A pobreza destas famílias leva a uma baixa produtividade agrícola, o que, por sua vez, reforça a sua pobreza. Trata-se de um círculo vicioso, tecnicamente conhecido como armadilha da pobreza.
A "task force" contra a fome, no âmbito do Projecto Milénio das Nações Unidas, que é liderada por dois cientistas proeminentes a nível mundial, M. S. Swaminathan e Pedro Sanchez, ponderou formas de acabar com este círculo vicioso. A referida "task force" concluiu que África poderia aumentar substancialmente a sua produção de alimentos se fosse atribuída ajuda aos pequenos agricultores, sob a forma de "inputs" agrícolas. O Projecto Milénio recomendou um forte aumento do financiamento global destinado a este propósito. Com base nesse trabalho e descobertas científicas relacionadas, Annan lançou um apelo em 2004 para uma Revolução Verde em África, por meio de uma parceria mais ampla entre África e os países doadores.
Muitos de nós, particularmente o actual secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, trabalharam afincadamente para tornar isto possível, com Ban a enfatizar repetidamente o carácter de especial emergência decorrente das crises globais alimentar, financeira e energética dos últimos dois anos. O anúncio do G-8 reflecte estes anos de esforço e, evidentemente, o impulso por parte do presidente norte-americano, Barack Obama, do primeiro-ministro espanhol, Jose Luis Zapatero, do primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, do comissário europeu para o Desenvolvimento e a Ajuda Humanitária, Louis Michel, do eurodeputado Thijs Berman e outros.
Agora, a chave é fazer com que estes esforços funcionem. As lições que retiramos da História são claras. Disponibilizar sementes e fertilizantes aos pequenos agricultores, a preços fortemente subsidiados (ou mesmo gratuitamente, em alguns casos), fará a diferença e de forma duradoura. Não só os rendimentos agrícolas aumentarão no curto prazo, como também as famílias agrícolas utilizarão os seus rendimentos mais elevados e o seu melhor estado de saúde para acumularem todo o género de activos: saldo de tesouraria, nutrientes para o solo, animais de quinta, bem como a saúde e educação dos seus filhos.
Esse impulso nos activos permitirá, por sua vez, que comecem a ser criados mercados locais de crédito, como é o caso do microfinanciamento. Os agricultores terão capacidade para comprar "inputs", tanto com o seu próprio dinheiro como através de empréstimos concedidos devido à melhoria da sua capacidade creditícia.
Chegou-se a um consenso quanto à necessidade de ajudar os pequenos agricultores, mas os obstáculos permanecem. Talvez o principal risco seja o de que as "burocracias das ajudas" tropecem entre si na tentativa de definir o que fazer com os 20 mil milhões de dólares, pelo que grande parte desse dinheiro acaba por ser gasto em reuniões, avaliações de peritos, despesas, relatórios e mais reuniões. As "parcerias" de doadores podem tornar-se um fim dispendioso em si mesmo e acabam somente por atrasar a real tomada de medidas.
Se os governos doadores quiserem realmente obter resultados, têm de tirar o dinheiro das mãos das trinta ou mais estruturas de gestão das ajudas e agregá-lo em um ou dois locais, sendo os mais lógicos o Banco Mundial, em Washington, e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD), em Roma. Uma dessas agências, ou ambas, teria então uma conta com alguns milhares de milhões de dólares.
Os governos das regiões atingidas pela fome, especialmente em África, apresentariam então planos de acção nacionais, com os detalhes sobre como utilizariam os fundos dos doadores de forma a fornecerem sementes com maior rendimento, fertilizantes, sistemas de irrigação, equipamento agrícola, silos de armazenamento e aconselhamento local aos agricultores pobres.
Um painel composto por peritos independentes avaliaria esses planos nacionais para verificar a sua coerência científica e em matéria de gestão. Sempre que um plano fosse aprovado, o dinheiro para o apoiar seria rapidamente desembolsado. Cada programa nacional seria monitorizado, auditado e avaliado.
Esta abordagem é clara, eficiente, responsável e cientificamente sólida. Duas histórias recentes de grande sucesso em matéria de ajuda recorreram a esta abordagem: a Aliança Global para a Vacinação e Imunização, que consegue imunizar de forma bem sucedida as crianças, e o Fundo Global de Combate à tuberculose, SIDA e malária, que apoiam planos de acção nacionais de luta contra estas doenças mortais. Ambas salvaram milhões de vidas na última década e abriram caminho a um método de ajuda ao desenvolvimento mais eficiente e mais sólido cientificamente.
No entanto, embora isso não seja de surpreender, muitas agências das Nações Unidas e agência de assistência sedeadas em países ricos são contra esta abordagem. Habitualmente, esta guerra tem mais a ver com território do que com procurar a forma mais eficaz de acelerar a ajuda aos pobres. Obama, Rudd, Zapatero e outros líderes progressistas podem, assim, fazer uma grande diferença se prosseguirem os seus compromissos assumidos no G-8 e insistirem para que a ajuda realmente funcione. As burocracias têm de ser contornadas para que a ajuda chegue onde é precisa: ao solo cultivado pelas famílias agrícolas mais pobres do mundo.
Entre 2002 e 2006, liderei o Projecto Milénio das Nações Unidas, que visa concretizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, para o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan.
Estas famílias têm fome porque não têm capacidade para comprar sementes de alto rendimento, equipamento de irrigação e outros instrumentos necessários para aumentar a produtividade. Consequentemente, a sua produção é magra e insuficiente para a sua subsistência. A pobreza destas famílias leva a uma baixa produtividade agrícola, o que, por sua vez, reforça a sua pobreza. Trata-se de um círculo vicioso, tecnicamente conhecido como armadilha da pobreza.
A "task force" contra a fome, no âmbito do Projecto Milénio das Nações Unidas, que é liderada por dois cientistas proeminentes a nível mundial, M. S. Swaminathan e Pedro Sanchez, ponderou formas de acabar com este círculo vicioso. A referida "task force" concluiu que África poderia aumentar substancialmente a sua produção de alimentos se fosse atribuída ajuda aos pequenos agricultores, sob a forma de "inputs" agrícolas. O Projecto Milénio recomendou um forte aumento do financiamento global destinado a este propósito. Com base nesse trabalho e descobertas científicas relacionadas, Annan lançou um apelo em 2004 para uma Revolução Verde em África, por meio de uma parceria mais ampla entre África e os países doadores.
Muitos de nós, particularmente o actual secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, trabalharam afincadamente para tornar isto possível, com Ban a enfatizar repetidamente o carácter de especial emergência decorrente das crises globais alimentar, financeira e energética dos últimos dois anos. O anúncio do G-8 reflecte estes anos de esforço e, evidentemente, o impulso por parte do presidente norte-americano, Barack Obama, do primeiro-ministro espanhol, Jose Luis Zapatero, do primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, do comissário europeu para o Desenvolvimento e a Ajuda Humanitária, Louis Michel, do eurodeputado Thijs Berman e outros.
Agora, a chave é fazer com que estes esforços funcionem. As lições que retiramos da História são claras. Disponibilizar sementes e fertilizantes aos pequenos agricultores, a preços fortemente subsidiados (ou mesmo gratuitamente, em alguns casos), fará a diferença e de forma duradoura. Não só os rendimentos agrícolas aumentarão no curto prazo, como também as famílias agrícolas utilizarão os seus rendimentos mais elevados e o seu melhor estado de saúde para acumularem todo o género de activos: saldo de tesouraria, nutrientes para o solo, animais de quinta, bem como a saúde e educação dos seus filhos.
Esse impulso nos activos permitirá, por sua vez, que comecem a ser criados mercados locais de crédito, como é o caso do microfinanciamento. Os agricultores terão capacidade para comprar "inputs", tanto com o seu próprio dinheiro como através de empréstimos concedidos devido à melhoria da sua capacidade creditícia.
Chegou-se a um consenso quanto à necessidade de ajudar os pequenos agricultores, mas os obstáculos permanecem. Talvez o principal risco seja o de que as "burocracias das ajudas" tropecem entre si na tentativa de definir o que fazer com os 20 mil milhões de dólares, pelo que grande parte desse dinheiro acaba por ser gasto em reuniões, avaliações de peritos, despesas, relatórios e mais reuniões. As "parcerias" de doadores podem tornar-se um fim dispendioso em si mesmo e acabam somente por atrasar a real tomada de medidas.
Se os governos doadores quiserem realmente obter resultados, têm de tirar o dinheiro das mãos das trinta ou mais estruturas de gestão das ajudas e agregá-lo em um ou dois locais, sendo os mais lógicos o Banco Mundial, em Washington, e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD), em Roma. Uma dessas agências, ou ambas, teria então uma conta com alguns milhares de milhões de dólares.
Os governos das regiões atingidas pela fome, especialmente em África, apresentariam então planos de acção nacionais, com os detalhes sobre como utilizariam os fundos dos doadores de forma a fornecerem sementes com maior rendimento, fertilizantes, sistemas de irrigação, equipamento agrícola, silos de armazenamento e aconselhamento local aos agricultores pobres.
Um painel composto por peritos independentes avaliaria esses planos nacionais para verificar a sua coerência científica e em matéria de gestão. Sempre que um plano fosse aprovado, o dinheiro para o apoiar seria rapidamente desembolsado. Cada programa nacional seria monitorizado, auditado e avaliado.
Esta abordagem é clara, eficiente, responsável e cientificamente sólida. Duas histórias recentes de grande sucesso em matéria de ajuda recorreram a esta abordagem: a Aliança Global para a Vacinação e Imunização, que consegue imunizar de forma bem sucedida as crianças, e o Fundo Global de Combate à tuberculose, SIDA e malária, que apoiam planos de acção nacionais de luta contra estas doenças mortais. Ambas salvaram milhões de vidas na última década e abriram caminho a um método de ajuda ao desenvolvimento mais eficiente e mais sólido cientificamente.
No entanto, embora isso não seja de surpreender, muitas agências das Nações Unidas e agência de assistência sedeadas em países ricos são contra esta abordagem. Habitualmente, esta guerra tem mais a ver com território do que com procurar a forma mais eficaz de acelerar a ajuda aos pobres. Obama, Rudd, Zapatero e outros líderes progressistas podem, assim, fazer uma grande diferença se prosseguirem os seus compromissos assumidos no G-8 e insistirem para que a ajuda realmente funcione. As burocracias têm de ser contornadas para que a ajuda chegue onde é precisa: ao solo cultivado pelas famílias agrícolas mais pobres do mundo.
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